Também em Angola, não são poucos os falantes que empregam erradamente no plural o verbo haver em sentido existencial («haviam pessoas»); na verdade, observa Edno Pimentel, a palavra pode ser sinónima de existir, mas, ao contrário deste verbo, só se usa na 3.ª pessoa do singular («há pessoas»). Texto publicado no semanário luandense Nova Gazeta no dia 15/10/2015, no qual se mantém a ortografia conforme a norma ainda aplicada em Angola, anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.
Algumas centenas. De velas acesas, vestidas de branco, algumas mal podiam conter as lágrimas. Apesar de terem um objectivo em comum, cada uma transportava dentro de si um motivo diferente: «quero liberdade de expressão»; «parei porque está muito engarrafado e estou a queimar algum tempo aqui»; «o meu brother (amigo) não pode continuar na cadeia»; «o dólar continua muito alto». Às tantas dei conta de que muitos nem sabiam o que se passava, mas enchiam o Largo da Sagrada Família numa noite em que se entoavam cânticos religiosos, o Hino Nacional. Algumas mamãs cantavam – em coro bem definido com os sopranos e tenores – o "Kamba dia muenhu". Era uma verdadeira vigília, uma noite de procissão de velas.
O Dikaluzado não de deixou ficar. Pegou em duas marmitas e um bebe-e-me-deixa, um casaco veludo, a mochila às costas, um chapéu a cobrir os olhos e lá foi. Camuflagem, claro. Não se podia dar ao luxo de se exibir, pois ainda podia ser conotado como um "revu". «Aí, não tinha como ser descoberto. Haviam várias pessoas.»
Aí está. Esse é o velho problema, achar que, por serem várias pessoas, o verbo haver deve ser conjugado no plural. Não importa, se haver tomar o significado de «existir», passa a ser considerado como um verbo impessoal. E funciona como tal, podendo apenas ser conjugado no singular, quer esteja no presente quer esteja noutro tempo gramatical. Havia uma pessoa na vigília. Havia centenas de pessoas na vigília. Há alunos muito inteligentes nesta turma. Não houve desmaios. No pretérito, a coisa podia soar ainda pior: «Não houveram razões aparentes.»
Quando significa «existir», haver comporta-se como um verbo defectivo – aquele que não se conjuga em todas as formas do paradigma a que pertence (banir, falir, reaver). Sendo assim, para o presente, devemos usar a forma há; no pretérito perfeito, a forma houve; no pretérito imperfeito, a forma havia. Não importa se o que vier depois está no singular ou no plural. Devemos usar apenas essas três formas.
Há um aluno na sala. Há dois alunos na sala.
Houve uma conferência. Houve aulas.
Havia um manifestante. Havia vários assistentes.
Crónica da autoria de Edno Pimentel e publicada na coluna "Professor Ferrão" do jornal luandense Nova Gazeta, em 15/10/2015. Manteve-se a ortografia conforme a norma ainda aplicada em Angola, a qual é anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.