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Pelourinho // Uso e norma

Discursos políticos «à séria»

Uma pré-campanha para as presidenciais de 2026 em Portugal

Estamos em plena campanha eleitoral para a Presidência da República, que ocorrerá em janeiro de 2026, e os debates televisivos têm revelado não apenas estratégias políticas, mas também tendências linguísticas curiosas. Entre elas, destaca-se o uso recorrente da expressão «à séria», ouvida tanto em comentadores como em candidatos. Não é caso isolado: uma reportagem jornalística de 17 de novembro também a adotou, como se lê no Público: «Lisboa abanou, caiu o prédio, surgem chamas. Foi a fingir, mas o Exército testou resposta séria». Mas será este uso legítimo?

A locução tradicional e correta é «a sério», registada no Dicionário da Língua Portuguesa da Academia das Ciências com três sentidos claros:

1. Francamente, sem fingir.

2. Realmente, de modo efetivo, deveras.

3. Com empenhamento, com todo o cuidado.

É esta forma que cumpre a norma e que, até há pouco tempo, dominava no discurso público. Já «à séria», por sua vez, não se encontra atestado nos dicionários nem na gramática normativa. Como sublinham artigos como «O desnecessário modismo ‘à séria’» e «Ai o ‘à séria’», trata-se de uma construção que surge por analogia com outras locuções corretas iniciadas por à («à pressa», «à força», «à vontade»), mas que não tem fundamento histórico nem lexical. Acresce ainda que «à séria» parece alinhar com expressões adverbiais como «à larga», «à justa» ou «à francesa», que exibem adjetivos no género feminino convertidos em nomes.

Porque se impõe, então, esta expressão? A explicação parece residir na expressividade. «À séria» soa mais enfático, mais coloquial, talvez mais próximo da oralidade que domina os debates e as redes sociais. É um recurso estilístico que confere intensidade. Como já se notou, esta preferência é uma marca de época, alimentada pela informalidade mediática e pela busca de impacto.

Contudo, não se trata de um erro grave, mas de uma tendência curiosa. A língua evolui, sim, e acolhe novas formas, mas nem sempre estas acrescentam algo. «A sério» continua a dizer tudo o que é preciso –simples, claro, eficaz.  Está-se, portanto, a procurar uma intensidade que já existe.

Fica outro reparo, o uso de challenger na imagem é mais um sinal da permanente interferência do inglês, como se não houvesse palavras em português. Porque não desafio?

Fonte

Imagem: excerto do vídeo publicado por João Cotrim de Figueiredo na sua rede social Instagram.

ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa ISCTE-Instituto Universitário de LisboaISCTE-Instituto Universitário de Lisboa ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa