Nas páginas de um crematório português, lia-se a seguinte frase: «Os seus ente-queridos merecem uma despedida digna.» Certamente, ninguém discordará de que um amigo ou familiar amado que tenha falecido recentemente merece umas exéquias decentes e uma homenagem justa. No entanto, o problema desta frase não é semântico, mas sim ortográfico e morfossintático, relacionado com uma das palavras utilizadas. A forma "ente-queridos" está incorreta e apresenta dois erros principais.
Em primeiro lugar, «ente querido» é uma locução, ou seja, duas palavras que, juntas, funcionam como um único termo. Como é constituída por um nome (ente) e um adjetivo (querido), não é obrigatório o hífen*, e o seu registo em dicionário está subordinado à palavra ente, tendo-se fixado sem hifenização, com a grafia «ente querido» (ver, por exemplo, o dicionário da Academia das Ciências de Lisboa).
Além do erro na hifenização, há ainda um problema de concordância no plural. Segundo as regras do português, tanto o nome ente como o adjetivo querido devem ser flexionados no plural. Isso acontece porque o adjetivo qualifica o nome e, portanto, deve concordar com ele em género e número. Assim, a forma correta no plural é «entes queridos» — e não "ente-queridos".
Concluindo, o domínio da língua portuguesa passa, muitas vezes, pelo conhecimento e aplicação de pequenos detalhes ortográficos e morfossintáticos que, no entanto, podem fazer uma grande diferença na imagem que se transmite — especialmente no contexto profissional ou comercial de um negócio.
* Os compostos de nome + adjetivo e adjetivo + nome esperam ainda um tratamento consistente quanto à hifenização, conforme se explica em "'Boa nova' e 'boa-nova': um caso de hifenização e não só" (01/04/2016).