Crónica de Wilton Fonseca, publicada no jornal i, a propósito da indisposição do Presidente da República Portuguesa durante um discurso proferido nas comemorações do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas, na cidade da Guarda, em 10 de junho de 2014.
Na Guarda, alguns manifestantes cansativos exibiram a sua insensibilidade, falta de respeito e educação perante uma indisposição do Presidente da República. Em S. Paulo, uma multidão da classe média branca, com poder aquisitivo para comprar bilhetes para o jogo inaugural da Copa, insultou a presidente do Brasil com palavras que nenhum jornal sério ousou reproduzir.
O respeitinho é bonito, embora não seja um valor absoluto. Mas recomenda-se. E a sociedade permissiva que criámos tem de estabelecer linhas divisórias entre o respeito e o insulto livre, generalizado e descabelado, aceite e desculpabilizado. Não estão aqui em causa as razões que levaram os manifestantes da Guarda ou de S. Paulo a desrespeitar os seus presidentes, eleitos livre e democraticamente. Cavaco nada disse sobre o assunto. Fez bem. Dilma afirmou aos jornais que os “xingamentos” nunca a desviariam do caminho que tinha traçado. Também fez bem.
Xingar ganha aos poucos lugar no nosso quotidiano. Ainda há pouco tempo o verbo seria entendido como um brasileirismo, um sinónimo tropical de injuriar, insultar. Terá entrado na língua portuguesa através do quimbundo, entre os séculos XVII e XVIII. Como não podia deixar de ser, produziu os seus derivados, como o já mencionado xingamento, a xingaria, a xingação e – como sinónimo de «xingamento» – o curiosíssimo substantivo xingo*. Acho que é a melhor palavra para indicar o que se verificou na Guarda e em S. Paulo. Inqualificáveis xingos. Ordinaríssimos.
* A palavra xingo já se encontra atestada há algumas décadas em português, conforme entrada da edição de 1986 do Dicionário Aurélio (comunicação do consultor Luciano Eduardo de Oliveira).