«(...) Ao falar do elefante, Rui Rio confundiu duas expressões idiomáticas. Uma é a do elefante na sala e outra a do elefante – ou touro – na loja de porcelanas.»
Com as metáforas importadas, como com as laranjas, é preciso cuidado. O presidente do PSD, ao criticar a forma como o Governo tentou resolver a greve dos motoristas, disse o seguinte: «Tem de se continuar a tentar e esse é o papel que o Governo deve ter, para deixar de ser o elefante na sala que parte tudo, para ser, como no futebol, aqueles árbitros que nem se dá por eles. Esses são os melhores e era assim que o Governo devia estar, com recato, com sentido de Estado, quase sem se dar pela sua presença. Era a melhor forma de ser um mediador.»
Esquecendo agora a metáfora do futebol (há muitas trafulhices que se fazem a recato, como os portuenses bem sabem, e não são só eles), ao falar do elefante, Rui Rio confundiu duas expressões idiomáticas. Uma é a do elefante na sala e outra a do elefante – ou touro – na loja de porcelanas. Esta última é que diz realmente o que ele quis dizer. A expressão «o elefante na sala» tem um sentido diferente. Refere-se a uma questão difícil que é perfeitamente óbvia, presente, inescapável, mas de que um grupo de pessoas evita falar. Um exemplo, numa família, é o de alguém que é alcoólico ou tem outro problema grave. Na política ou noutra atividade que envolve liderança, poderá ser a relutância do círculo íntimo de um chefe em admitir, ou sequer mencionar, aspetos de inépcia que são visíveis para toda a gente.
De qualquer modo, sendo a política uma atividade bastante pobre em termos linguísticos, Rio tem pelo menos o mérito de ter trazido o elefante para o discurso. É o maior animal terrestre e tem muitas qualidades estimáveis, incluindo a inteligência, a paciência e a empatia, bem como uma certa relutância em mostrar o seu extraordinário poder só porque sim. O poeta John Donne chamou-lhe a obra-prima da natureza – a única coisa grande que é inofensiva. A política pode encontrar nele muitas metáforas e lições.
Desmond Tutu, o bispo sul-africano que foi herói da luta anti-apartheid, disse um dia, a propósito de pessoas que recusam ter opinião em situações de manifesta injustiça: «Se o elefante tem uma pata em cima da cauda do rato e tu dizes que és neutro, o rato não vai apreciar a tua neutralidade.» A outro nível, diz-se que a tromba do elefante pode fazer um som que abala o mundo, mas não consegue afastar as moscas à sua volta.
Texto original na revista Fisga, do semanário Expresso, do dia 24 de agosto de 2019.