Os neologismos não têm todos um futuro garantido: se muitos acabam por entrar no dicionário, outros têm vida efémera ou esperam ainda uma oportunidade para ter atenção e uso, como observa o escritor e professor universitário Fernando Venâncio, em mais uma crónica na coluna "Língua movediça" da revista Ler (dezembro 2013).
Há uns vinte anos, era meu costume guardar, em pastas de plástico, recortes de jornal com primeiras aparições (primeiras, para mim) de palavras portuguesas. Um desporto inocente, sem outro fito senão aquele que viesse a dar-lhe. Eram novidades como auto-estradal, clientelar, demissionista, factóide, infoexclusão, tecnofobia. Verifico que, um a um, são admitidos hoje pelo FLiP9 da Priberam, um revisor digital que vai visionando este texto. Semelhante subsistência deve significar que todas essas palavras foram, ou depois se provaram, criações úteis, felizes, pertinentes.
Acontecia-me as inovações virem concentradas. Num artigo de 1996, reencontro apelatividade, inagricultado, pretextual. Era um ensaio de José Manuel Mendes, no Diário de Notícias, sobre José Saramago. Tudo indica que tanto inagricultado («terrenos inagricultados no Alentejo») como pretextual («incorpora o acaso, o pretextual») foram fabricados de raiz pelo ensaísta.
E, todavia, inagricultado, que até o Tio Google desconhece, é, decerto em tal contexto, um termo transparente, que se diria de circulação normal, como mera negação, que é, dum agricultado que João de Barros, Herculano e outros bons assinaram. O mesmo se diria de pretextual. No diminuto uso que tem em inglês (única língua em que se dá com ele), parece significar «aleatório», precisamente o valor sugerido no caso atinente.
Das várias palavras que então anotei, algumas conquistaram um lugar ao sol, como gestionário, intermodal, proibicionismo. Outras tiveram menos sorte, o caso de adversarial, de sobresforço, de trabalhólico.
Num Expresso de 1992, certo leitor propunha a introdução do numeral milhardo, que dispensaria o pouco tratável «mil milhões». Era uma sugestão atinada, que nos livraria do pavor em que vivemos de, usando bilião, nos entenderem mal.
Falhámos, igualmente, teleasta, feito sobre cineasta, e proposto numa Visão de 1994. Hoje, o FLiP aceita-o, mas nenhum dicionário o insere. Seria, talvez, de ponderar.
Crónica publicada na coluna "Língua movediça", no número de dezembro de 2013 da revista Ler. Manteve-se a ortografia usada pelo autor.