Dispensa e despensa são palavras parónimas (às vezes, homófonas, quando o i átono soa e mudo) que andam há muito confundidas no uso, não só no Brasil ou em Portugal, mas também em Angola. O professor e jornalista angolano Edno Pimentel, em crónica a propósito da escolha de um nome próprio pessoal (antropónimo) para um recém-nascido, explica a diferença semântica e etimológica entre os referidos vocábulos (texto publicado em 10/12/2015, no jornal luandense Nova Gazeta).
E a língua tem dessas coisas. Está cheia de "-nímias" difíceis. Às vezes, deixam-nos completamente com as calças na mão. Quando abri a garrafa de vinho do Porto para comemorar a vinda do mais novo da família, vários amigos carregavam verdadeiras "bíblias" antroponímicas.
Para o Al’bin, a antroponímia não é coisa de outro mundo. É uma experiência por que várias vezes passou. Mas trouxe-o de forma inovada. Desta vez, a lista era de onomástica. Os outros nem davam nem uma, nem duas. O Porto parecia mais forte e devidamente enquadrado ao contexto.
Apesar de termos ideia do nome, optámos por ouvir os kambas – e os padrinhos, claro. A Daisy – que, na verdade, era Margarida – alvitrou por algo parecido e que tivesse alguma relação sinonímica com bem. «Quiçá Benvindo?» «Não», opôs-se de imediato o noivo. «A antonímia para esses nomes dá sempre azar», justificou.
«E porque tens logo de ir aí? Já pensaste na sinonímia?»
A conversa era chata. Parecia que tinham lido demais. «Vocês comeram as gramáticas ou quê?», pergunta Mirian irritada. «Aliás», continuou Mirian, «tu precisas de uma despensa, minha mana», acrescentou.
E até temos uma em casa. Ainda meio bagunçada, mas acolhe os utensílios que, futuramente, serão dispensados.
«Mas ela ainda está na fase de dispensa, mulher», disse o noivo.
«Podia acumular também com as férias. É cansativo cuidar de muita coisa ao mesmo tempo: marido, filhos, comida, casa…», justificou. «Devias chamar-te Eva, para seres xará da minha mãe, que, mesmo doente, está sempre a fazer alguma coisa. Pede despensa”, concluiu.
Era o caso de mais duas "-nímias". A paronímia – quando as palavras têm pronúncias e grafias parecidas, mas significados diferentes (despensa = «pequeno compartimento onde se guardam produtos e alimentos»; e dispensa = «acto ou efeito de dispensar ou de ser dispensado») – e homonímia – quando as palavras se escrevem e se pronunciam da mesma forma, mas têm significados e diferentes (rio, do latim rivu = «curso natural de água»; e rio, do verbo latino ridere).
A quem precisa de descanso deve dar-se dispensa (do latim dispensāre), ou seja, permissão para não trabalhar por um certo período. Já despensa (do latim dispensa, particípio passado neutro plural de dispendĕre, «despender») é outra coisa, é um dos compartimentos das nossas casas.
Crónica da autoria de Edno Pimentel e publicada na coluna "Professor Ferrão" do jornal luandense Nova Gazeta, em 10/12/2015. Manteve-se a ortografia conforme a norma ainda aplicada em Angola, a qual é anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.