«Se há coisa que os correctores oficiais da língua fazem tudo para esquecer, é a lição número um da linguística: é o povo que faz a língua. Foi o povo que fez a língua portuguesa.»
Felizmente, não há maneira de resolver o problema de como responder a um «obrigado» porque nós estamos bem é a falar das maneiras diferentes como falamos, não tanto para descobrir qual é a mais acertada (embora isso também seja muito giro), mas para ficarmos maravilhados com a versatilidade da nossa língua e a maneira como consegue resistir a tantos diferendos constantes.
Quando eu era pequeno, ensinaram-me que responder «de nada» era castelhanismo. Nessa altura, quase tudo o que disséssemos era um ismo: um galicismo ou um anglicismo ou um castelhanismo.Embora fossem todos condenáveis, cada um tinha o seu chic: os castelhanismos eram os mais insidiosos, porque eram os mais bem disfarçados.
Mais português e logo encorajado era o «não tem de quê». Mas o «não tem de quê» também não era perfeito por uma razão inconfessável: era muito popular. É poético e bonito – «não tem de quê» é camoniano –, mas comete o crime de estar nas bocas de todo o mundo.
E, se há coisa que os correctores oficiais da língua fazem tudo para esquecer, é a lição número um da linguística: é o povo que faz a língua. Foi o povo que fez a língua portuguesa. O povo é muita gente e muito tempo. Se lhe dá para dizer uma coisa que não faz sentido, é essa coisa que fica – e que fica a fazer sentido.
É por isso que há o preconceito contra os chamados popularismos: os guarda-línguas não perdoam a maternidade – a proveniência e a autoria e autoridade da língua que professam.
Daí que tenha surgido uma alternativa airosa ao «de nada» e ao «não tem de quê»: é o «ora essa!».
O «ora essa» nem tem de ser pronunciado com o costumeiro ponto de exclamação. Há o «ora essa» com reticências, comido e descrente. E até há o «ora essa?« com ponto de interrogação, tipo «mas este gajo está a agradecer-me porquê?».
O «ora essa» é curto e airoso, carregando nas sete letrinhas o fardo de um «era o que faltava o senhor estar a agradecer-me uma ninharia destas! Francamente!».