«Houve leitores que sugeriram alternativas ao "de nada", ao "não tem de quê" e ao "ora essa", como o clássico "era o que faltava!"»
Os agradecimentos portugueses não têm fim – é uma prova da nossa cortesia. Dizem os povos mais brutos que somos uns fingidos e uns hipócritas. Ainda bem que somos. O que seria da boa educação sem o fingimento e a hipocrisia?
Mas alguém está interessado no que realmente pensa o vendedor de cerejas quando nos diz «Olhe que pena, já as vendi todas! Foi azar, hã? Se calhar, vinha a contar com elas...»?
Se calhar, até as escondeu quando nos viu aproximar. Não interessa. Aos portugueses, como aos japoneses, o que interessa é a aparência, o verniz e o chá.
Houve leitores que sugeriram alternativas ao «de nada», ao «não tem de quê» e ao «ora essa», como o clássico «era o que faltava!». O meu colega Henrique Pereira dos Santos (com a devida vénia, claro) foi eloquente: «Há uma fórmula que evita a falsa modéstia do “ora essa” e aparentados (estamos a dizer que não fizemos nada de especial) que é o “por quem sois” (até posso ter feito uma grande coisa, mas o meu amigo merece).»
Pode ser útil porque existem dois (pelo menos) obrigados diferentes: uma coisa é agradecer-lhe porque me salvou de morrer afogado, outra coisa é corresponder à simpatia de o ter deixado passar à frente na porta, em que dizer «de nada», «não tem de quê», «ora essa» parece ser um mero pleonasmo: todos nós sabemos que não me custou nada tê-lo deixado passar à minha frente.
Enfim, a linguagem é um sítio estranho.
Será impressão minha ou estaremos a atravessar uma fase manuelina nas nossas saudações? Se calhar é uma reacção poética à informalidade das redes sociais. Para além do «por quem sois«, tenho reparado no renascimento do «sempre às ordens!». É dito com ironia, obviamente, mas fica sempre alguma antiguidade.
Quanto faltará para o «rogo-lhe que aceite o meu humilde protesto perante tão injusto agradecimento»? E a resposta menos portuguesa a um obrigado? É «Ah, pois está obrigado, está! E nunca mais se esqueça deste grande favor que eu lhe fiz!».