Texto que Sandra Duarte Tavares, professora do Instituto Superior de Educação e Ciências (Lisboa), e consultora do Ciberdúvidas, publicou na edição em linha da revista Visão, em 17/01/2017.
Ricardo Araújo Pereira deu-me a honra de prefaciar um livro meu. Nas primeiras linhas do seu prefácio, ele escreveu: «Faço com palavras tudo o que é importante. Por exemplo, se quero que uma pessoa saiba que gosto dela, recorro mais depressa a palavras do que, digamos, a beijos». Meditei nestas suas palavras e adicionei a sua moral a esta equação: bom uso das palavras x uso bom das palavras ao quadrado = felicidade.
As palavras têm um poder tremendo. Repito com assertividade: as palavras têm um poder tremendo. Há palavras que edificam, outras que destroem; umas trazem bênção, outras, maldição. E é entre estas duas balizas que a comunicação vai moldando a nossa vida.
Comecemos pela gastronomia. Na hora da refeição, quem é que não saliva ao ler um Crispy de peito de frango com emulsão de gengibre e limão? Ou um Bacalhau lascado com puré de batata doce e goiaba confit? Antes de estes apetecíveis pratos chegarem à nossa mesa, já os pré-saboreámos mentalmente. E quantas vezes a sedutora descrição dos pratos é bem mais aprazível que o repasto propriamente dito?
Há dias, num restaurante tradicional, um dos pratos da ementa era bife raspado. Soou-me bem e pedi. O que era? Um simples hambúrguer no prato. Estava apetitoso, sem dúvida, mas o prazer que senti ao degustar as sílabas bi-f-e ras-pa-do antes de o dito prato pousar na mesa foi infinitamente superior.
No plano amoroso, as palavras têm também um poder incrível. Outrora, nas cartas de amor, as palavras voavam distâncias, marcadas pela saudade dos enamorados; hoje, o impacto das palavras nas relações amorosas é tão ou mais forte porque é imediato, à distância de um clique. Casais apaixonados são unânimes em assumir que muitas vezes o flirt verbal é tão poderoso quanto o próprio beijo ou toque. Nuns casos, as palavras trocadas virtualmente são autênticos preliminares; noutros, conseguem ter ainda mais impacto do que o toque real.
E o poder da palavra silenciosa? O silêncio é ouro, já ouviram dizer?
Há palavras que deviam ser escondidas num baú fechado a sete chaves. Porque não edificam, porque magoam, porque destroem...
Há uns tempos fui fazer um exame médico. Após o questionário clínico habitual, a médica prosseguiu «Agora, vou fazer-lhe umas maldades». Nesse instante, o meu corpo sucumbiu e o desmaio tornou-se iminente. Ora, a palavra maldade magoou-me mais do que o próprio exame. Teria sido muito sensato ter escondido tal palavra num quarto escuro. Não teria magoado tanto.
Mas voltemos às palavras amigas, as que mimam, as que confortam, as que aquecem o coração.
Sabiam que podem mudar o dia de alguém com uma calorosa saudação? «Bom dia, como está?» Experimentem, sempre que comunicam, escolher palavras com carga afetiva positiva! Por exemplo, se substituírem a palavra problema por situação, o problema parece tornar-se mais pequeno, não parece? Ou então acrescentar adjetivos robustos quando agradecem a alguém: «Obrigada pela sua preciosa, valiosa ajuda».
Se queremos relações pessoais e profissionais mais saudáveis e felizes, usemos e abusemos das palavras positivas na nossa vida. E não nos cansemos de elogiar. Palavras de louvor e honra trazem felicidade não só a quem as recebe mas também, e sobretudo, a quem as oferece.
in revista Visão do dia 17/01/2017