É um dos modismos do chamado futebolês: que se está falar, ou a transmitir, desde daqui ou desde ali. Foi o que se voltou a ouvir, repetitivamente, a propósito da cobertura do Europeu de futebol, na Suíça e na Áustria. Maria Regina Rocha explica neste artigo1 a diferença entre as preposições de e desde em português e no espanhol. E aborda, ainda, a questão dos anglicismos.
O futebol é um desporto que atrai multidões. Neste momento em que a comunicação social põe em evidência a selecção portuguesa de futebol, são muitos os termos que se ouvem e lêem relativos a este desporto.
Vamos focar alguns desses termos e da sua história no português.
Comecemos pela palavra futebol. Que provém do inglês football certamente toda a gente saberá. Acrescente-se que o termo foi introduzido em Portugal em 1888, tendo havido alguma rejeição por parte dos puristas da língua, que chegaram a sugerir a criação da palavra "pedibola" (por analogia com o inglês, em que se associa pé e bola), que não vingou.
De origem inglesa é, também, a palavra clube, que em inglês começou por designar "porrete", "cachaporra", "clava", passando depois a denominar «a força que uma assembleia tira da união dos seus membros» e «associação de qualquer natureza». Este termo já está registado em Portugal desde 1873.
Mas nem só da língua inglesa recebemos termos relativos ao desporto. Há os que já existiam desde a formação da língua, provenientes do latim e do grego, como natação e atleta, e há os oriundos, por exemplo, do francês, como desporto, que começou por significar «divertimento», «jogo».
A importação de palavras produzidas em outros sistemas linguísticos tem sido uma constante ao longo da história da nossa língua e, nos últimos dois séculos e, sobretudo, no mundo globalizado como aquele em que vivemos, é natural que o contacto directo com países em que se falam outras línguas e a necessidade de referir tecnologia, objectos ou conceitos novos criados nesses países levem a essa adopção. Actualmente, dado o predomínio da língua inglesa na comunicação internacional, as restantes línguas são importadoras de palavras do inglês.
No entanto, sendo o estrangeirismo um fenómeno natural, que revela a existência de uma certa mentalidade comum, importa não o adoptar acriticamente, nomeadamente se em português houver um termo adequado. E se, apesar de tudo, ele for imprescindível, então, como dizia o grande filólogo Rodrigues Lapa, «uma coisa é necessária, quando o estrangeirismo assentou já raízes na língua nacional: vesti-lo à portuguesa».
Não deverá, no entanto, confundir-se o empréstimo de um termo (por vezes necessário) com a indevida adopção da construção frásica de outro idioma, pois aí já se está a entrar no domínio da estrutura da língua.
Apenas um exemplo: tem-se ouvido ultimamente a expressão «estamos a transmitir desde» seguida do nome da localidade ou terra (Madrid, Suíça, etc.). Ora, a construção correcta é «de Madrid», «da Suíça»: deverá ser usada a preposição de. Efectivamente, enquanto em espanhol a preposição desde se utiliza para referir o lugar de que procede ou se origina alguma coisa, um facto (por exemplo, desde Madrid, desde mi casa), em português essa preposição significa «a começar em», «a contar de», normalmente relativa ao tempo, e não ao espaço.
Assim, esperemos que, da Áustria e da Suíça (e não desde a Áustria ou desde a Suíça), os repórteres da televisão portuguesa continuem a enviar-nos notícias.
Cf. 10 palavras espanholas que enganam os falantes de português
1in Diário do Alentejo de 20 de Junho de 2008, na coluna A vez… ao português, sob o título Futebol e desporto