Escrevemos «não tem nada haver com isso», e, no computador, a expressão fica sublinhada, em sinal de erro. Porquê? É este o ponto de partida para mais uma crónica de Edno Pimentel, na perspetiva dos usos do português angolano. Texto publicado no semanário luandense Nova Gazeta no dia 1/10/2015, no qual se mantém a ortografia conforme a norma ainda aplicada em Angola, anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.
Nem mesmo com a vinda dos sistemas informáticos avançadíssimos temos sido capazes de ultrapassar as nossas maiores dificuldades a vários níveis, inclusive aqueles ligados à língua portuguesa.
Não poderia haver uma ferramenta melhor do que o corrector automático. Ele – o corrector do nosso computador – está programado para sublinhar a vermelho quando se "depara" com alguma palavra estranha ao seu vocabulário, ou uma incorrecção ortográfica. Não devemos ignorar. Aliás, quando clicamos no botão direito do rato (ou mouse), aparecem logo opções que podem ser aquelas de que realmente precisamos. Não podemos pensar nem dizer que «esse é um problema que não tem nada haver connosco». Quem apenas ouve esta frase não consegue ter ideia do pecado ortográfico e do desrespeito que se comete em relação à nossa língua.
Por enquanto, valerá a pena o esforço de todos e de cada um de nós "lutar" para que o uso do português seja o menos impuro possível. Os desvios vão existir sempre, mas é preciso aceitar e "dar ouvidos" ao que nos diz o nosso computador quando apresenta aquele sublinhado avermelhado. É que a nossa língua, nessas alturas, pode estar com febre e a precisar de algum analgésico – uma gramática ou um dicionário.
Tinha de ser do nosso conhecimento que o que acontece à nossa volta tem que ver connosco. Há alguns anos, pensávamos que o que acontecia com o nosso vizinho era da nossa conta e, por isso, tinha a ver também connosco. Hoje, apesar de todo o corre-corre a que nos submetemos, levamos uma vida de cada um por si e Deus para todos, demos conta de que estávamos errados. Como não vivemos isolados deste mundo que é de todos nós, o que nele acontece, queiramos ou não, nos diz respeito, portanto, tem que ver connosco. O errado é achar que nada disso tem haver connosco, quer seja pensando quer seja escrevendo.
Crónica da autoria de Edno Pimentel e publicada na coluna "Professor Ferrão" do jornal luandense Nova Gazeta, em 1/10/2015. Manteve-se a ortografia conforme a norma ainda aplicada em Angola, a qual é anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.