O Notícias Magazine (suplemento do Diário de Notícias) trazia no mês passado (15/3/08) uma reportagem que divulgava um trabalho de uma equipa de investigadores da Universidade de Aveiro intitulado «As imagens das línguas na comunicação intercultural». Dos inquéritos que presidiram a este trabalho constava a pergunta: «Se pudesse, abandonaria a sua língua?», ao que cerca de 20% dos inquiridos responderam «sim».
Não há dúvida de que as pessoas que disseram que trocavam o português pelo inglês, francês, italiano ou alemão estão a considerar a língua como uma imagem estereotipada de um estatuto social e económico. Querem falar como falam os que têm poder. Nada têm contra o português enquanto tal. Nem podiam ter. Rejeitar a língua materna é negar a própria identidade.
A língua que adquirimos desde o berço faz-nos abarcar e ordenar a realidade de um modo particular e distinto relativamente ao dos falantes de outras línguas. Os esquimós têm várias palavras para designar neve, o mesmo se passa com os árabes para designar cavalo; as línguas ameríndias, e algumas línguas asiáticas, distinguem um nós que inclui locutor de um outro nós que o exclui; no russo, os verbos estão marcados de modo a indicar se a acção está completa ou se corresponde a um acontecer contínuo; no malaio, os verbos marcados com o sufixo lah referem eventos muito relevantes para o desenrolar de uma história; etc., etc.
Cada língua é um sistema de estruturas onde formas e categorias estão culturalmente ordenadas e é neste sistema que o indivíduo capta ou ignora este ou aquele fenómeno, é nele que constrói o seu conhecimento do mundo. O modo como pensamos a realidade está moldado na nossa língua materna.
A adesão a outras línguas em detrimento do português é só a afirmação da descrença em Portugal. Para todos os que foram obrigados a falar uma segunda língua — ou por razões económicas, como é o caso dos emigrantes; ou por razões políticas, como foi o caso dos timorenses em relação ao indonésio —, ouvir e falar a sua língua materna é sempre um regressar a casa.
Artigo publicado no semanário Sol de 19 de Março de 2008, na coluna Ver como Se Diz