Sobre a palavra marca, um artigo de Ana Martins no semanário Sol de 19 de Junho de 2009.
Uma marca é um nome que identifica, inscreve, representa e diferencia produtos lançados no mercado. Uma marca bem implantada junta qualidade, prestígio e valor económico. Há quem veja na heráldica a origem desta «civilização da marca» e, de facto, quer um brasão quer uma marca cumprem, no fundo, a mesma função: a de classificar, hierarquizar, enfim, de demarcar alguma coisa. A assunção tácita de que o comportamento do Homem pós-moderno se limita ao consumo compulsivo de marcas (nem que seja da «marca branca») já foi absorvida pela língua e está presente em fraseologias como «ser de marca», «ser um X de marca maior»[*] ou «imagem de marca», por exemplo.
A partir daqui, o significado de base da palavra marca rastilha em várias direcções. Marca pode referir a entidade que sustenta a estrutura de um grupo, fidelizando pertenças: «Convicto de que o trabalho desenvolvido pelos autarcas do PS na região (…) tem contribuído para valorizar a "marca PS", Vieira da Silva reconheceu, no entanto, que a crise económica e financeira …» (Lusa, 28/03/09).
Marca pode remeter também para um complexo difuso de ícones e estereótipos: «A elaboração da Carta Estratégica de Lisboa (…) irá centrar-se nos aspectos demográficos, (…) identidade e "marca Lisboa" …» (Lusa, 17/04/09). Parece ser também esse o valor da palavra em: «Tiago Monteiro foi obrigado a devolver um milhão de euros relativos a um patrocínio do Turismo de Portugal (…) para promover a "Marca Portugal" na Fórmula 1, em 2007» (Público, 13/06/09).
O desconforto que sentimos ao ler a notícia de onde foi retirado este último excerto não advém só de ficarmos a ver passar o milhão, mas da sensação, cada vez menos vaga, de estarmos a ser postos à venda.
[*] N. E. (15/06/2017) – A expressão «de marca maior» não é recente, como observa Paulo J. S. Barata, a quem se agradece a seguinte achega: «A expressão "de marca maior" é antiga – pelo menos do séc. XVI – e não está associada a marca comercial. Veja-se, por exemplo, a Certidão da artilharia das fortalezas do Estado da Índia (1553), que refere: «nove camelos de ferro de marca maior» (transcrição de Roger Lee de Jesus e Tiago Machado de Castro, Fragmenta Historica 2, 2014, pp. 129-137). Aqui marca tem o significado de «medida», sendo equivalente a «calibre» ou «bitola»; ou seja, eram peças de «calibre maior» ou de «bitola maior». No fundo, é o sentido que tem hoje em expressões como: «fulano é um mentiroso de marca maior», ou seja, é um grande mentiroso, um mentiroso de «grande calibre».»
Artigo publicado no semanário Sol, na rubrica Ver como Se Diz, de 19 de Junho de 2009