A dispersão é um dos males do século da nossa juventude. A constante atenção dispensada aos ecrãs em lugar de desenvolver a concentração parece estar a aumentar a dificuldade em levar a cabo tarefas de média ou longa duração. Por isso, não é de estranhar que um dos conselhos que se dá aos jovens seja «Mantém o foco» ou «Fica focado em…». Na verdade, o conselho não se dá só aos jovens, serve também para jogadores de futebol, treinadores, estudantes, trabalhadores, chefes, subordinados… enfim, para todos aqueles que sejam gente e precisem de um conselho.
«Manter (ou ter) o foco» ou «estar focado em qualquer coisa» são chavões que andam de boca em boca, qual fórmula muito pouco secreta para atingir o sucesso. Não é difícil perceber o porquê desta ascensão meteórica da importância do foco. É na própria internet que vamos encontrar a resposta para esta questão quase existencial.
«Manter o foco», dizem-nos as inúmeras páginas da net que tratam o assunto, permite saber para onde ir, diminuir a pilha de tarefas a fazer, otimizar o seu tempo, aprofundar o conhecimento, ter um objetivo, estar concentrado, empenhar-se, acalmar a mente, controlar o cérebro, deitar fora o desnecessário, libertar-se das redes sociais, comprar menos roupa, aprender a dizer não, manter a motivação, desenvolver o pensamento. Por isso, a única solução é mesmo «Estar focado». Não sou eu que o digo. É a internet! Ora procurem!
Perante palavras tão importantes, garantia inequívoca de sucesso (por mais difícil que seja o caso), o dicionário mantém uma indiferença gélida, parecendo não se aperceber de que o nome foco é um caso sério de popularidade. E assim, alheio a esta ascensão meteórica, o pobre dicionário diz-nos que foco é «parte de um forno», «ponto para onde convergem os raios luminosos», «projetor de luz», «ponto do plano de uma cónica», «zona interior da terra onde tem origem um sismo»1. Injusto este dicionário, pensamos nós, quando o significado forte, o significado primeiro de foco nem sequer lá está contemplado!? Preciso de dar um conselho, preciso de orientar alguém, preciso de corrigir um comportamento, preciso de analisar uma situação: «manter o foco» é sempre uma abordagem segura e acertada. Já o adjetivo focado nem direito tem a entrada e o verbo focar fica-se pelos sentidos relacionados com a ótica ou a imagem e o mais perto que fica do significado com a palavra é usada acontece quando se afirma que significa «ter como alvo», o que mesmo assim fica longe dos sentidos atualmente explorados.
Na verdade, «ter um foco» e «estar focado» é muito mais do que nos diz o dicionário. «Ter e manter o foco» é organizar, planificar, saber, ter vida saudável, relaxar, concentrar-se, ter objetivos, ter autocontrolo, ter capacidade de gestão, desintoxicar, poupar, saber tomar decisões, motivar, pensar. «Estar focado» é estar concentrado, compenetrado, preocupado, com um objetivo em mente. São um filão estas palavras!
Só há uma coisa que eu não compreendo: se «ter o foco em», «manter o foco» e «estar focado» é tão enriquecedor, por que raio é que nos leva a empobrecer o nosso vocabulário? A internet não soube responder a esta dúvida. Provavelmente, é o preço a pagar para ter direito ao sucesso nos tempos que correm!
1. Cf. Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea. Academia das Ciências de Lisboa, Verbo, 2001.