O Intermarché distribuiu pelo país um cartaz, em prol da segurança rodoviária, que diz: «Seja cidadão. Respeite os peões». Ora, cidadão significa «indivíduo que, num estado livre, goza dos seus direitos civis e que está sujeito a todas as obrigações inerentes a essa condição.» De acordo com esta definição, ou se é cidadão ou não se é. E, no entanto, o cartaz do Intermarché, ao realizar este incitamento, através da forma de imperativo seja (mais rigorosamente, de conjuntivo como forma supletiva do imperativo), pressupõe que uma pessoa possa ser «mais ou menos cidadão».
Há dois meses foi notícia o caso de Mara, a menina brasileira que dos 13 aos 19 anos esteve aprisionada numa cave como escrava sexual. Em face da indiferença da imprensa brasileira em relação a este drama, a coordenadora do Núcleo de Saúde Reprodutiva da Universidade do Rio de Janeiro concluiu: «Se fosse na Europa, o caso de Mara era muito mais crime do que é aqui, no Brasil» (Pública, 20/02/08). Recorrendo ao dicionário, lemos: «Crime: todo o delito previsto e punido por lei penal.» Apesar disso, há situações que são «simplesmente crime» e outras que são «crime mesmo».
Servem estes exemplos para dizer que o significado das palavras tem, de acordo com os propósitos comunicativos do falante, diferentes graus de aplicabilidade.
Tal não quer dizer que uma língua natural (o português, o francês, etc.) seja imperfeita se comparada com uma língua artificial (como o esperanto, por exemplo), criada para eliminar a ambiguidade. A língua natural dá aquilo que dela precisamos: o rigoroso e o vago; o absoluto e o relativo.
Artigo publicado no semanário Sol de 25 de Abril de 2008, na coluna Ver como Se Diz