«Muitos governos têm buscado desenvolver políticas mais inclusivas para as línguas nacionais de seus países.»
A dimensão da língua e da linguagem é a nossa porta de entrada para o mundo e o nosso modo, também, de nos dizer no mundo. Quem nós somos e como vivemos as nossas vidas são constituídos pela linguagem. Assim, ao nos referirmos a uma língua em particular como o português, compreendemos a sua estreita relação com outras dimensões importantes da vida social, como a cultura, a ideologia e a política, por exemplo. Nessa perspectiva, as práticas de linguagem que desenvolvemos quando interagimos com o mundo são orientadas por essas outras dimensões e estruturadas por relações de poder, que se processam em diferentes níveis, desde o das políticas que são implementadas pelos governos e instituições civis, até o nível das relações individuais. Língua é poder.
Na perspectiva das políticas linguísticas que são criadas pelos governos e outras instituições civis, uma língua pode ser fator de discriminação e de exclusão de outras línguas que com ela convivem, especialmente quando esta é língua majoritária e de prestígio social e político. Na CPLP, por exemplo, mais de 330 outras línguas dividem o espaço com o português e, de modo geral, não gozam do mesmo status político, ainda que algumas delas sejam majoritárias em algumas regiões e países. Por isso, nesse contexto, muitos governos têm buscado desenvolver políticas mais inclusivas para as línguas nacionais de seus países, especialmente no âmbito da educação básica, compreendendo que elas podem ser a ponte para a construção de uma educação mais adequada ao perfil sociolinguístico de sua população.
Em outra perspectiva, visões estereotipadas de língua e de cultura podem reforçar relações desiguais de poder, especialmente no contexto da educação em língua portuguesa, de modo geral, no qual uma determinada variedade ou norma é tomada como modelo de referência e de prestígio, atribuindo a outras variedades linguísticas e culturais um status de desprestígio e de subalternidade. As notícias recentes sobre casos de discriminação em sala de aula são abundantes e revelam que algumas estruturas de poder atuam para desqualificar grupos e classes sociais por causa do português que usam, seja na perspectiva das relações entre os diferentes países de língua portuguesa ou em relação aos variados usos da língua no interior de uma mesma norma de uso, como no exemplo da tensão entre a tal “norma padrão” idealizada e o português popular falado no Brasil.
As línguas podem, de fato, ser instrumentos de opressão, de exclusão e de discriminação. Mas também podemos usar o seu poder e potencial na construção de espaços onde o diálogo intercultural seja a sua maior força. Que o português seja, então, o nosso instrumento de acolhimento e de respeito às diferenças!
Crónica incluída no programa Páginas de Português em 25 de setembro de 2022, na Antena 2.