«Mas o Nelso responde sempre: “já vou!”, “já sei!”, “já ouvi!”. É a dignidade do pau-mandado em acção. Não tem remédio senão fazer o que o outro lhe diz, mas ninguém lhe pode tirar a má vontade.»
Estudar o ser humano é estudar a dignidade. Como se alcança? Como se mantém? Como se defende? Ser capaz de responder a estas três perguntas é ser capaz de explicar quase todo o comportamento humano.
Numa pastelaria aonde gosto de ir almoçar só trabalham duas pessoas: o proprietário, o sr. César, que é cozinheiro e empregado de mesa, e o Nelso, que é ajudante de cozinheiro e empregado de mesa sobressalente.
O Nelso não tem grande jeito, é carrancudo, preguiçoso e desastrado – mas o sr. César gosta dele e tem pena dele: uma combinação mortífera. Já o substituiu várias vezes, mas arrepende-se sempre, por muito competentes que sejam os substitutos. Vai sempre buscar o Nelso. Tem saudades dele. O Nelso até se deixa estar onde ficou, à espera de “ser buscado”.
O sr. César está sempre a ralhar com ele – “vai fritar as batatas!”, “olha as torradas!” – porque ele é acintosamente demorado, tendo percebido que lhe pagam o mesmo, independentemente do número de tarefas que concluir.
Mas o Nelso responde sempre: «já vou!», «já sei!», «já ouvi!». É a dignidade do pau-mandado em acção. Não tem remédio senão fazer o que o outro lhe diz, mas ninguém lhe pode tirar a má vontade.
A má vontade garante a dignidade dos subalternos. Ela é constituída por uma mistura complexa de relutância, truculência e rebeldia.
O “jajar” é uma das grandes armas da nossa cultura. Ao “jajarmos”, fazemos com que o mandador pareça impaciente, tirânico, caprichoso e surdo.
Já estamos fartos de assinalar que vamos descascar as cebolas mas ele é monomaníaco e não tem olhos na cara, senão não estava sempre a insistir “vai descascar as cebolas, porra! Já passa da uma!”
Quem “jaja” faz com que seja o mandador a passar por subordinado: obviamente não nasceu para dar ordens.