O substantivo posse, derivado de possuir, é base para a formação de uma série de vocábulos específicos do português, como assinala o escritor e professor universitário Fernando Venâncio, em crónica publicada no número de outubro de 2013 da revista Ler.
Aprendi uma palavra com o Ricardo Araújo Pereira. Nada do outro mundo. É mesmo para nos instruírem que eles existem, os comentadores políticos. A palavra era empossamentos, e referia-se a certos vaivéns governamentais, que entretanto se me rasuraram da memória.
A curiosidade do vocábulo vem da surpresa de, desconhecendo-o, o entendermos. Mas está dicionarizado, o que logo nos tranquiliza. E, o que é mais, pertence a uma família das mais fascinantes do nosso idioma: aquela que nasceu de posse.
Tenho por essa palavra, «posse», um orgulho muito patriótico, e portanto profundo. Todos os falantes de português a usam, mas foi inventada entre nós, por volta de 1350, e só neste idioma existe. A sua origem? Já houve a tentação de ver aí o verbo latino posse (poder), o que seria chique, mas provém de possuir, tal como requinte de requintar. São, em linguagem de gramáticos, derivações regressivas.
Uma vez achado posse, pôs-se este inventivo idioma a tirar dele o maior proveito. Cedo criou possante, de grande futuro, e logo depois posseiro e possança, que vingariam sobretudo no Brasil.
Mas a maior riqueza foi encontrada na criação de verbos. A forma mais antiga conservada é desapossado, do século XV, o que implicava a existência de desapossar e, claro, de apossar. Mas, deste, só em Quinhentos haverá notícia concreta. É então, também, que acharemos empossar e desempossar.
A partir daqui, florescem as formas derivadas, umas mais, outras menos afortunadas: apossador, apossadura, desapossamento, empossamento, desempossamento, e até emposse, um nítido regressivo de empossar.
Ao longo do seu vasto caminho, a nossa língua valeu-se de criações alheias (muitas castelhanas, muitas francesas), no que não há grande mal. Em princípio. O mais recomendável será a exploração das virtualidades próprias, exclusivas. Não é por nada. Mas um rosto definido faz sempre bem aos idiomas.
Os empossamentos do nosso ágil cronista eram uma pilhéria às sisudas «tomadas de posse». Um termo raro, e próprio, faz sempre um belo sorriso.
Crónica publicada com o título "Empossamentos" no número de outubro de 2013 da revista Ler. Manteve-se a ortografia usada pelo autor