Qual o real objectivo de recorrentemente apontar erros saídos na imprensa portuguesa? Ridicularizar os faltosos? Ostentar superioridade moral? Moralizar e prevenir? Nenhuma destas razões ou, talvez, todas. É este o tema de reflexão do Ver como se diz, no semanário Sol de 20 de Dezembro de 2008.
«Efectivamente, desde sempre que nos jornais e revistas encontro reportagens, notícias, apontamentos, crónicas ou entrevistas que me provocam o mesmo prazer que as melhores páginas de ficção, ensaio ou poesia de um livro.» (José Vegar 2001 — Reportagem. Uma antologia).
Reconheçamo-lo: há peças jornalísticas, publicadas na imprensa portuguesa, de inexcedível qualidade. Pode parecer que o objectivo desta rubrica é fazer a anotação gratuita de erros de língua nos media, mas não é. O que se passa é que, para fazer luz sobre este ou aquele fenómeno linguístico, é produtivo recorrer ao registo de erros em textos de grande divulgação.
Por isso, quero hoje demarcar-me explicitamente desse desporto nacional — dizer mal — e relevar duas formulações bem conseguidas, que aliam a correcção e a clareza à harmonia e criatividade da expressão.
Sobre o enorme aumento de estudantes adultos no ensino superior, ao abrigo do concurso especial Maiores de 23 anos, lemos o seguinte: «… mas eles [alunos adultos] quase não se encontram nas faculdades que […] garantem melhor empregabilidade e quando estão, naufragam.» (Público, 9/12/08).
A metáfora do naufrágio faz ver ao leitor a fragilidade e a inconsistência de um regime que não exige do aluno que ele tenha completado sequer o ensino básico.
Outro excerto, de outra reportagem:
«Esta morte [do jovem grego de 15 anos] foi o que fez milhares de pessoas, sobretudo estudantes, saírem às ruas […]. Mas o desemprego e a falta de perspectivas para os mais jovens são o combustível da contestação.» (Público, 11/12/08). Nova metáfora — «o combustível da contestação» —, que dá uma imagem sensível da violência à solta e transmite o sentido de continuidade e pujança da revolta, que teve na morte do jovem apenas uma ignição.
Dizer bem é isso: optar por formas breves, novas e elucidativas.
Artigo publicado no semanário Sol de 20 de Dezembro de 2008, na coluna Ver como Se Diz.