Correr é um verbo de primeiro plano na nossa sociedade porque a vida quotidiana anda de braço dado com a velocidade convocada pelo sentido literal da palavra. Frequente em frases similares a «saí a correr» ou «corri que nem um louco», o verbo refere a rapidez que se imprime às formas de existência.
Como verbo versátil que é, correr não se nega a deslizar para sentidos conotativos, que, metaforicamente, assumem que realidades não animadas podem deslocar-se ou deslizar. É esta a interpretação que abre porta a afirmações como «a porta corre na perfeição». E quando dizemos «o dia corre-me bem», é o sentido de “desenrolar-se” ou “passar” que ativamos.
A combinação do verbo correr com certas preposições permite explorar diferentes significados que ora aproximam o verbo da noção de movimento físico, como em «correr a chamar alguém» ou «correr por todo o lado», ora o ligam a um significado simbólico, como em «correr com alguém», no sentido de “expulsar”, ou «correr contra algo, que significa “lutar contra”.
Do domínio metafórico é o resultado da associação à preposição atrás. Com efeito, «correr atrás do sucesso», por exemplo, tem o sentido de “envidar esforços para obter algo”.
Todavia, a língua e os seus falantes adotam, ocasionalmente, usos cujo significado é contrário ao que se pretende afirmar, o que produz afirmações que causam alguma estranheza. É o que acontece com a construção «correr atrás do prejuízo», usada com alguma frequência na comunicação social, sobretudo no jornalismo desportivo e ou de natureza política: «O Benfica foi atrás do prejuízo» ou «O governo anda a correr atrás do prejuízo».
Não deixa de ser bizarra a imagem que se cria, pois esta expressão coloca o agente do verbo correr atrás do prejuízo, quando o normal seria fugir dele. Com efeito, «correr atrás de algo» acontece porque se faz um esforço para o obter. Ora, se corremos atrás do prejuízo é porque queremos ficar com o insucesso, o que fará de nós falhados ... Mas, mais estranho ainda é o facto de esta expressão ser usada para dizer exatamente o contrário do que se afirma, pois não é o prejuízo que se quer, mas o sucesso – no caso de um jogo de futebol, a vitória. Ou seja, esta é uma história muito complexa: nós corremos atrás de algo negativo para o destruir, o que trará como consequência algo positivo. Será isto? O que vos digo é que existem formas bem mais simples, lineares e transparentes de afirmar o mesmo. Até com o mesmo verbo: bastaria afirmar «correr contra o prejuízo».
O certo é que falantes e língua nem sempre seguem os caminhos da lógica e os modismos têm mesmo muita força.