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O nosso idioma // Etimologia

Couve e alguns sinónimos

O Natal à mesa

No contexto da véspera de Natal de 2025, em Portugal, uma reportagem televisiva (SIC  Notícias, 24/12/2025, 08h44) traz momentaneamente à ribalta a palavra penca, não para falar de um «grande nariz», como é uso popular, com intenção pejorativa, mas para referir outra coisa. O cenário é o Mercado do Bolhão, no Porto, e o que a jornalista diz nada tem de humanamente anatómico1, pois o que ela aponta é para um monte de couves:

Já há muita gente [...] para vir fazer aqui as últimas compras de Natal, nomeadamente nestas bancas onde a penca acaba por ser a protagonista para a ceia de Natal.

Neste contexto, o termo denota uma espécie botânica, a couve-penca ou couve-portuguesa, uma variedade de couve, de talos retorcidos e folhas verdes, grandes e carnudas, que tem grande consumo sobretudo no jantar da véspera de Natal, ou seja, na ceia de Natal, também chamada consoada.

Donde vem penca? Os dicionários gerais como o da Infopédia, o da Academia das Ciências de Lisboa (ACL) ou o Priberam indicam que é vocábulo de origem incerta. No reputado Diccionario Crítico Etimológico Castellano e Hispánico (DCECH) de Joan Coromines e José Antonio Pascual, regista-se a forma penca também em castelhano e em catalão, para propor a hipótese de a palavra remontar à expressão latina folia pe(d)enca, literalmente «folha do pé), em que pe(d)enca seria um derivado adjetival do latim pede (de pes, pedis).

Quanto a couve, é a evolução do latim caule (de caulis, caulis), por intermédio das formas cole, coe e coue. A palavra portuguesa é, portanto, parente (palavra cognata) do castelhano col e do francês chou, bem como do italiano cavolo. Em galego, a norma oficial consigna col (dicionario da Real Academia Galega), e é bem possível que o vocábulo castelhano venha do galego, mas há variantes: couva e couve, convergentes com o português, e, ainda, coia e coella.

Acrescente-se que couve e caule são, em português, palavras divergentes, ambas introduzidas no léxico a partir do mesmo étimo latino, caulis, caulis, adaptação do grego kaulós, oû (Dicionário Houaiss). Pode-se recuar ainda mais e descobrir que as formas latina e grega têm relação histórica com o sânscrito kulyā, o lituano kauls («osso»), o irlandês antigo cúal («molho de galhos») e talvez com o arménio antigo cʻōłun (talo, pé; palha»),  resultados do proto-indo-europeu *keh₂ulis («caule direito»)– cf. informação do Wiktionary (em inglês).

Uma outra palavra também sinónima ou quase é tronchuda, que também ocorre sob as formas couve-tronchuda, troncha e couve-troncha (cf. ACL). Tronchuda e troncha vêm de troncho, «truncado, mutilado», um castelhanismo muito antigo em língua portuguesa, atestado desde o século XIV e com origem no latim truncŭlu, «pequeno tronco; toro; extremidade de um membro; pé de porco» (Dicionário Houaiss). A noção de caule, pé, tronco é, portanto, comum a penca, couve e tronchuda/troncha.

Refira-se ainda mais um sinónimo de couve, mais especificamente de couve-galega, denominação da couve com a qual se prepara o delicioso caldo verde: berça ou verça. Parece haver acordo relativamente a considerar berça, «folha da couve» ou mesmo, referido a toda a planta, «couve», como resultado do latim viridĭa, nome usado no plural mas entendido como feminino singular na aceção de «árvores, arvoredo, vergéis, pomares ou prados verdes, hortas, plantação» (Dicionário Houaiss). A forma berça é hoje a mais comum, mas os dicionários igualmente incluem a variantes verça, também grafado versa; do étimo latino vem também o castelhano e galego verza

Em suma, em Portugal, o bacalhau da consoada faz-se acompanhar não só de batatas mas também de penca, que também se chama genericamente couve – falaremos dos brócolos noutra ocasião. Noutras situações, não necessariamente festivas, há quem saboreie uma «sopa de berças»2, que será geralmente o mesmo que uma sopa de couve-galega. 

1 Usa-se penca como sinónimo de narigão e de pénis (neste último caso, como vulgarismo, no Brasil), mas outras aceções estão-lhe associadas:  «conjunto de flores ou frutos presos a um mesmo esgalho cacho»; «grande quantidade» (nas expressões em penca» ou «às pencas»);  «ornamento constituído por um conjunto de balangandãs enfeixados numa argola» (Brasil); «corrida de cavalos em que há vários participantes» (regionalismo brasileiro). Cf. Infopédia e Priberam.

2 A palavra berça também tem alimentado os preconceitos urbanos acerca da vida rústica. Basta mencionar duas expressões depreciativas: «as berças», no plural, com o significado «terra(s) pequena, pouco desenvolvida, terriola», e «ser das berças», que significa «ser provinciano» (Infopédia).

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