«Ser gatado também nos autoriza a tentar rever as onomapoteias felinas, particularmente infelizes na língua portuguesa. É preciso nunca ter ouvido um gato assanhado para achar que faz ffff... ou renhau-nhau.»
Entrar na língua é a maior ambição, nem que seja por um momento ou dois. Gostei de ouvir uma leitora a contar que lhe tinham oferecido um gatinho e que ela respondeu «Já estou gatada, obrigada».
Ser gatado também nos autoriza a tentar rever as onomapoteias felinas, particularmente infelizes na língua portuguesa. É preciso nunca ter ouvido um gato assanhado para achar que faz ffff... ou renhau-nhau.
Nem comento o despropósito de dizer que um gato, quando está zangado, se põe a bufar. Já não bastam as verdadeiras bufas dos gatos?
Talvez as rãs bufem. Talvez os búfalos bufem. Mas os gatos fazem outra coisa. Sopram? Sibilam?
Pus-me a ouvir o Doutor, um gato nosso amigo que odeia o nosso gato e, sempre que o olha de frente, faz questão de soprar-lhe um odiozinho feroz, para que o petiz não pense que é universalmente adorado.
Os sons que os gatos fazem quando ressoam má vontade – escusado será dizer que não precisam de estar assanhados – contêm as consoantes Sssss, Rrrrr e Qqqqq.
Os ingleses dizem hiss, mas é pouco: as cobras e as chaleiras também hissam. Os gatos vão muito além do içar. Vão até além do eriçar e do arriçar-se, acrescentando o som de que, se calhar, para introduzir a noção de “que desaforo é este?”
Proponho, por isso, quezilar, aproveitando a quezília. Mas a palavra que apanha melhor os esses, erres e ques é requisitar. Como, por exemplo: «O gato, mal me viu, começou a requisitar...» Pode estar subentendido que está a requisitar uma querela - ou inimizade.
De resto, só arranjei neologismos: ressilvar ou ressoprar ou ressequir; quissar ou quiçar; arrequiçar ou querriçar. Todos estes pseudoverbos aceitam bem a forma reflexa: «Olha, o gato quissou-se.»