«[…] se atendermos aos pesados custos económicos e sociais pagos pelos portugueses pelas políticas austericidas, mais troiquistas do que a Troica, que o Governo da coligação PSD/CDS nos impôs […]»
Conselho Superior, Antena 1, 21 de janeiro de 2014
«Há muito que me venho interrogando porque é que a minha geração teve ganas para se revoltar […], enquanto as gerações jovens de hoje parecem passivas e acomodatícias, embora sejam tão atacadas e até escorraçadas pelas políticas austericidas deste Governo, mais troiquista do que a Troica […]
Conselho Superior, Antena 1, 28 de janeiro de 2014
É sempre interessante ver como os fenómenos sociais influenciam a linguagem e como novas realidades propiciam o aparecimento de novas palavras. No caso, a crise que assola Portugal trouxe-nos várias e mais recentemente o neologismo austericida, supostamente «aquele que comete austericídio». Ouvi-o por duas vezes pela boca de Ana Gomes, na sua habitual crónica semanal na Antena 1. Porém, e ainda que morfologicamente escorreito, semanticamente não o está, já que o pospositivo -cida, presente em austericida, se refere ao agente que provoca a morte ou o extermínio. É assim que o infanticida é «aquele que mata crianças», o suicida, «o que provoca a sua própria morte», o homicida, «o que mata outrem», o parricida, «o que mata os pais», o tiranicida, «o que mata os tiranos», o genocida, «o que mata um povo ou grupo étnico», o deicida, «o que mata Deus», etc. O austericida seria, assim, aquele que «mata a austeridade», o que não traduz o sentido que a eurodeputada lhe quis dar. Aquelas políticas não «matam a austeridade», quando muito, e literalmente, podem «matar os portugueses pela austeridade». A alternativa para exprimir igual significação seria usar expressões compostas tais como «austeridade genocida», «austeridade homicida» ou «austeridade letal».
De registar, porém, o uso e disseminação da amálgama austeritário, formada a partir dos adjetivos austero e autoritário, que pode permitir interpretar austericida como «assassino (a mando) da austeridade», a provar que o debate político também cria palavras interpretáveis, ainda que menos ortodoxas à luz da morfologia e da semântica tradicionais.