Ainda à volta do neologismo austericida frequentemente utilizado pela eurodeputada portuguesa Ana Gomes, reeleita pelo Partido Socialista, quando se refere à política seguida em Portugal pelo Governo de Passos Coelho. Texto do autor, publicado no jornal "i" de 29 de maio de 2014.
Ana Gomes é uma espécie de “enfant terrible” do PS. Já não muito “enfant”, mas “terrible” o suficiente para deixar os dirigentes socialistas em sentido quando lhes aparece pela frente. É por isso que eles a mantêm o mais longe possível do Largo do Rato (em Bruxelas ou Estrasburgo, de preferência em Jacarta ou Díli).
A fogosidade da eurodeputada leva-a a voos de espionagem, políticos e também linguísticos. Na noite das eleições europeias, assegurou simpaticamente a uma jornalista televisiva que as “ilações” políticas do escrutínio só poderiam ser tiradas pelo dr. Seguro: foi um sinal de bom comportamento partidário. Completou o meio minuto de entrevista com duas curiosas expressões («realidade talibânica» e «política austericida»): audaciosa descolagem, dois voos rasantes sobre a língua.
«Política austericida» não serve para denominar aquilo que o governo anda a promover. No meio minuto de entrevista, o país ficou sem saber o que é que a deputada quis dizer, e a jornalista não pediu um esclarecimento, pois só estava ali para segurar o microfone.
O elemento “-cida” significa «que mata». Daí palavras como parricida, matricida, uxoricida, herbicida, pesticida. «Política austericida» seria, portanto, a política que elimina a austeridade, coisa de que o governo de Passos Coelho só pode ser acusado por talibânica condescendência – a mesma que levou muitos telespectadores a imaginar o termo «linguicida» para caracterizar certa maneira de servir as disputadíssimas instâncias europeias.