Artigo de Maria Regina Rocha, na sua crónica "A vez… ao Português", do Diário do Alentejo de 28 de Novembro de 2008, sobre dois erros de sintaxe muito frequentes nos media portugueses: o emprego do verbo haver em tempos compostos e a concordância no caso da construção relativa «um dos que».
Quando se ouve falar de erros na utilização da língua, são normalmente referidos os erros de ortografia; no entanto, há outras incorrecções menos faladas, mas mais graves: as de sintaxe.
A sintaxe é a parte da gramática que estuda as regras de combinação e disposição das palavras e das frases no discurso. Dois dos erros mais frequentes são o emprego do plural dos auxiliares conjugados com o verbo haver e a concordância do predicado com o sujeito em frases introduzidas por «um dos que».
Vamos à primeira situação, a da sintaxe do verbo haver quando utilizado no sentido de existir.
Que este verbo não se emprega no plural é uma regra que está interiorizada pela generalidade dos falantes, sendo normalmente utilizadas correctamente construções destas: «há aulas», «houve protestos», «havia muitas bandeiras», «haverá negociações», «se houvesse mediadores». Como vemos, o verbo haver está sempre na terceira pessoa do singular, pois este verbo não tem sujeito com o qual concordar: o plural que se lhe segue é o complemento directo.
Mas a situação torna-se mais complexa e provoca dúvidas quando o verbo haver tem um auxiliar: muitas vezes esse auxiliar é flexionado, sendo indevidamente colocado no plural. Dois exemplos recentes de flexão incorrecta do auxiliar do verbo haver, retirados de uma revista: «hão-de haver muitas saídas», «vão haver sempre momentos em que aqui ou lá se possa continuar a desfrutar das coisas boas que a vida tem». Como o verbo haver não se conjuga no plural, o mesmo acontece com os seus auxiliares. Assim, as construções correctas são: «há-de haver muitas saídas», «vai haver sempre momentos».
Passemos à concordância do predicado com o sujeito em frases introduzidas por «um dos que». Deverá dizer-se que «N. foi um dos jogadores que se distinguiram no campeonato», ou «um dos jogadores que se distinguiu no campeonato»? Ou, ainda, «um dos assuntos que nos preocupa é o desemprego», ou «um dos assuntos que nos preocupam é o desemprego»? A opção tem que ver com a noção de sujeito. A que termo o pronome relativo «que» diz respeito: a «um», ou ao termo no plural, «jogadores» no primeiro exemplo e «assuntos» no segundo?
As construções correctas são aquelas em que o predicado vai para a terceira pessoa do plural, concordando com o respectivo sujeito, que é o pronome «que» relativo a um termo no plural: «jogadores» ou «assuntos».
Explicando as frases, talvez a situação se torne mais clara: há jogadores que se distinguiram (distinguiram – plural), e N. foi um deles; há assuntos que nos preocupam (preocupam – plural) e o desemprego é um deles. Se quiséssemos dizer que apenas aquele jogador se distinguiu ou apenas aquele assunto preocupa, poderíamos construir as frases deste modo: «N. foi o jogador que se distinguiu»; «o assunto que nos preocupa é o desemprego».
E, por agora, não focamos mais nenhum dos restantes assuntos que dão corpo à gramática. Num próximo texto, voltaremos a esta área do estudo da língua, a sintaxe, que em grego significava "ordem".
in Diário do Alentejo, 28 de Novembro de 2008