Aqui se rememora a história de Pedro Carolino (1788-1866), que, sem falar uma palavra de inglês – e, de resto, muito pouco habilitado na sua própria língua –, publicou um guia de conversação Português-Inglês, que passou à história como um «monumento imortal à estupidez humana», segundo o prefácio de Mark Twain. Artigo de Wilton Fonseca, publicado no jornal português i de 30/11/2013.
Nenhum português deixou (ou deixará) tantas e tão profundas marcas na língua inglesa como Pedro Carolino, um quase desconhecido autor cujo guia de conversação português-inglês constitui um monumento imortal à estupidez humana, conforme assegurou Mark Twain.
Se os nossos dois zelosos ministros [portugueses] da Educação – o Crato e o Nogueira – conseguissem dedicar algumas horas à leitura ao “Guia” de Carolino não só viveriam momentos de boa disposição mas talvez até partilhassem conclusões sobre os perigos de brincar com coisas sérias: o duelo final entre os dois aproxima-se, alguém terá de saltar do comboio.
Nunca se imaginou que a área da Educação [em Portugal] pudesse atingir tal grau de crispação. Medidas que sempre foram defendidas e reclamadas por todos – a prova de acesso à profissão é uma delas – causam arrepios de horror, por serem lançadas (e muitas vezes retiradas) sem método e sem coerência, aos solavancos, criando discriminações e justiças. Não há diálogo, há guerras: contra os professores, contra os reitores, contra a educação especial. No seu conjunto, tais medidas já não dizem respeito à Educação: transformaram-se num enorme problema ideológico. Daí que as atitudes corporativistas dos sindicatos tenham deixado de fazer sentido e não encontrem eco junto da opinião pública.
Na batalha da Educação não há apenas carrasco (Crato, o Ministério, o Governo) e vítimas (os professores e, eventualmente, os estudantes). Nem mesmo a opinião pública é isenta de culpas, pois a tudo assiste sem conseguir erguer a sua voz e exibir a sua indignação.
O episódio do Inglês do ministro ficará na história. Por isso é duplamente recomendável a leitura de Pedro Carolino. Publicado em 1855, The new guide of the conversation in Portuguese and English in two parts teve sucessivas edições. Uma delas, em 1883, impressa em Boston, mereceu o já mencionado prefácio de Mark Twain.
Como não sabia inglês, Carolino achou que podia escrever o seu guia utilizando a língua francesa como intermediária. Recorreu a um guia de conversação português-francês e a um dicionário francês-inglês. O processo pode resultar para alguns vocábulos e em determinadas situações. Por exemplo: bom transforma-se em bon e em good; dia transforma-se em «le jour» e em «the day»; mas «bom dia» tem como resultado «good the day». E surgem imediatamente hilariantes expressões como «few, few the bird make her nest» e «with a tongue one go to Roma».
A ingenuidade linguística de Carolino talvez tivesse caído no esquecimento se o guia não tivesse tido uma edição chinesa e se Londres não tivesse recebido uma delegação de visitantes tibetanos que acreditavam que falavam inglês, mas ninguém entendia uma palavra do que diziam! Um cidadão britânico, em visita a Macau, também teria tido conhecimento do livro, adoptado em escolas do território, e teria escrito um artigo sobre o assunto, para uma publicação londrina.
O guia deu origem à expressão «English as she is spoke». É prova de que no campo da Educação as experiências são perigosas, custam caro e nada têm a ver com as boas (ou más) intenções dos seus actores. Aquilo que está a ser feito contra a Educação em Portugal talvez só seja evidente dentro de anos, quando os estudantes portugueses descobrirem que não falam inglês, mas qualquer coisa como “carolinês”, “cratinês” ou “nogueirês”. Autênticos poliglotas.
in jornal i, de 30 de novembro de 2013. Respeitou-se a antiga ortografia, seguida pelo matutino português.