« (...) Este desequilíbrio de fazer das ciências sociais e humanas o parente pobre vai pagar-se caro no futuro, é uma coisa, aliás, de um país atrasado, sem estratégia autónoma. (...)»
Tenho dois filhos na escola pública em letras e em ciências e confirmei na realidade tudo o que sabia dos nossos projectos de estudos do trabalho no sector da educação: as escolas, mesmo as boas, não são lugares de excelência cultural – isto é um mal geral, em letras e em ciências. Tirando casos esporádicos (que existem, sim), há muito pouca excelência, os professores não estão em condições de estimular a curiosidade, e o apelo do conhecimento está em crise total nos alunos – o mútuo desinteresse é enorme. Aquele que devia ser o espaço mais desejado, aprender e ensinar, tornou-se um fardo para ambos.
Mas este “geral” tem, no entanto, algumas diferenças. Os melhores professores são colocados em ciências ou escolhem, porque já têm idade, as turmas de ciências – mesmo os de letras querem dar português em turmas de ciências; os melhores alunos, mesmo os de letras, estão em ciências; quando faltam professores – a falta já é crónica mesmo em escolas excelentes, como é o meu caso –, faltam mais nas turmas de letras do que [nas] de ciências, ou quando se trata de colmatar as falhas os directores actuam em geral mais rápido nas turmas de ciências. O curioso é o seguinte. A mãe de todas as ciências é a Filosofia e o pai é a História; eu não me envolvo em nenhum projecto sem alguém de Teoria Crítica e/ou Filosofia. No nosso Observatório temos mais de 12 áreas, Matemática, Engenharia, Medicina, mas a Filosofia tem um espaço central, como a História, como a Psicologia. Nenhum dado no mundo fala por si. Sem teoria crítica e sem história de qualquer questão não chegamos a bom porto. Nas escolas de elite – veja-se a própria Universidade Católica–, ninguém abdica da filosofia – o Direito e a Economia gerem a sociedade que é pensada na Filosofia; é esta a tríada de Poder que está aí desenhada. Nos EUA são as elites que estão a estudar história, curso que está a fechar nas universidades menores para as classes médias e baixas.
Não existe excelência sem um corpo excelente de cientistas sociais, mesmo no meio dos melhores engenheiros e matemáticos do mundo. Este desequilíbrio de fazer das ciências sociais e humanas o parente pobre vai pagar-se caro no futuro, é uma coisa, aliás, de um país atrasado, sem estratégia autónoma. E todos vamos pagar caro, quer os de ciências quer os de letras. Aliás, um dos meus filhos disse-me recentemente que adora Física e Filosofia; mas como juntar as duas, se nenhuma profissão o faz? Respondi-lhe que elas não existem uma sem a outra, e que ele já percebeu isso e por isso colocou a questão – colocou essa questão contra os mitos do mercado de trabalho que insiste em separar o que não existe separadamente. Na realidade ao colocarmos as Letras, as Humanidades, na mão de uma elite estamos a colocar o poder na mão dessa elite. As Letras e as Ciências Histórico-Filosóficas são uma imensa concentração de poder, [e] não disseminá-las com excelência e cultura é pôr em causa a própria democracia.