A língua portuguesa e a comunidade surda - Diversidades - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
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A língua portuguesa e a comunidade surda
A língua portuguesa e a comunidade surda
As línguas gestuais na CPLP

«[...] [A] maior parte dos nossos países carece de políticas linguísticas efetivas, bilíngues e que regulamentem currículos específicos para atender às pessoas surdas [...].»

 

Servico-de-Apoio-a-Clientes-Vodafone-em-Lingua-Gestual-Portuguesa.jpgMuitos são os contextos em que a língua portuguesa está em contato com outras línguas e culturas, influenciando-as e sendo influenciada por elas. Somente no espaço da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa – CPLP, estima-se que 340 línguas convivem com o português, que tem cada vez mais exercido o seu papel de mediação intercultural, aproximando povos e atuando como meio de comunicação partilhado. No entanto, nem sempre nessas estimativas estão incluídas as línguas de sinais ou gestuais, que representam os meios de comunicação e de identificação das comunidades surdas ao redor do mundo. 

De acordo com o Ethnologhe – Languages of the world, há cerca de 144 línguas de sinais oficiais em todo o mundo, e o interessante é imaginarmos que cada uma delas apresenta, em seu interior, muitas variações, como qualquer outra língua. Nos países da CPLP, podemos citar, por exemplo, a Língua Gestual Portuguesa (LGP), a Língua Angolana de Sinais (LAS) e a Língua Moçambicana de Sinais (LMS), entre outras.

No Brasil, a Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) é reconhecida, desde 2002, como língua materna da comunidade surda brasileira e, a partir de 2005, tornou-se disciplina curricular obrigatória na formação de professores(as) da educação básica e do ensino superior.  Além da LIBRAS, há ainda no Brasil outras línguas gestuais, como a Língua de Sinais Urubu Kaapor, a Língua de Sinais Terena-Guarani, entre outras que são utilizadas por diferentes povos indígenas. Mas como as comunidades surdas no espaço da CPLP e suas línguas de sinais ou gestuais se relacionam com o português? Essa tem sido uma questão que tem desafiado os governos e as instituições educativas como um todo, visto que as pessoas surdas aprendem a modalidade escrita da língua portuguesa como segunda língua, nem sempre em um contexto de educação bilingue, o que seria desejável. Para muitos(as) pesquisadores(as) da área1, a maior parte dos nossos países carece de políticas linguísticas efetivas, bilíngues e que regulamentem currículos específicos para atender às pessoas surdas, que enfrentam dificuldades quando precisam aprender uma língua cujo sistema é oral-auditivo, enquanto a sua língua materna é visual-espacial. Ainda é desafiador o fato de que as metodologias de ensino são desenhadas para atender aos estudantes ouvintes e, não raro, contribuem para excluir os surdos do sistema educativo em língua portuguesa.

Se queremos construir em nossos países uma educação linguística em português democrática e inclusiva, precisamos garantir os direitos linguísticos de todos os cidadãos, e a comunidade surda anseia por isso.

 

1 BENTO, Nanci A. Decolonialidade e surdez. In: LANDULFO, C. MATOS, D.C.  Suleando conceitos em linguagens – Decolonialidades e epistemologias outras. Campinas-SP: Pontes, 2022.

 

Áudio disponível aqui:

[AUDIO: Edleise Mendes – A língua portuguesa e a comunidade surda]

Fonte

Crónica da linguista Edleise Mendes (Universidade Federal da Bahia) para o programa Páginas de Português, na Antena 2, em 8 de maio de 2022.

Sobre a autora