Ainda sobre a controvérsia suscitada pela resposta A construção impessoal reflexa, de Virgílio Catarino Dias, recebemos este texto da professora Dora Patrício Gamboa. Só um esclarecimento suplementar, que foi já prestado previamente à autora: este é um espaço criado especialmente para acolher respostas, como é o caso, ou outros textos dos mais variados assuntos não consensuais e que só responsabilizam quem os subscreveu. Ao Ciberdúvidas, como espaço igualmente de reflexão e debate sobre tudo quanto respeite à lingua portuguesa, cabe, tão-só, a garantia da expressão da diversidade e do pluralismo daí decorrentes. Acresce o facto de Virgílio Catarino Dias ter deixado de colaborar com o Ciberdúvidas, na sequência desta polémica que, salvo outros interveniente e com perspetivas diferentes, damos por terminada.
Sou professora de Português e recorro com alguma frequência ao Ciberdúvidas, cujo trabalho se revela uma preciosa ajuda nos casos em que a língua portuguesa se mostra tão complexa, sobretudo quando nas gramáticas encontramos respostas diferentes e ficamos sem saber qual o caminho a seguir. Ainda que no Ciberdúvidas também encontremos temas controversos, há respostas que contêm aquilo que considero aberrações e que não dignificam o vosso espaço. Refiro-me agora em concreto a respostas dadas pelo professor Virgílio Catarino Dias. Já uma vez vos contactei a dar conta de uma resposta completamente distorcida que deu e, em resposta, no espaço de poucas horas, responderam-me amavelmente a dizer que esse senhor já não trabalhava convosco e que iam retirar a resposta em questão.
Há uns dias, deparei-me com mais umas respostas da mesma autoria que em nada dignificam o vosso trabalho. Refiro-me concretamente à entrada A construção impessoal reflexa. De facto, na resposta que o senhor Virgílio dá, diz o seguinte:
« [...]
João declarou-se capaz de falar em público.»
Representemos graficamente:
– O João declarou [-se capaz de falar em público]: o João declarou [que ele mesmo era capaz de falar em público].
Notemos a oração entre parêntesis reto, em que o -se é, claramente, sujeito. Se o for, já o dissemos, pode receber uma predicação adicional, assim:
– João declarou- [se, mesmo gago, capaz de falar em público].
Ou:
– João fingiu- [se, mesmo doente, grande cantor do fado de Coimbra].
Sim! Este se é sujeito. Pode, por isso, receber predicação secundária.»
Ora, nestes exemplos, o "se" é, inequivocamente, um pronome pessoal reflexo com a função de complemento direto, e não de sujeito, como esse senhor categoricamente afirma, num discurso afetado.
A resposta de Virgílio Catarino Dias teve a discordância de Fernando Bueno, em A Construção impessoal reflexa (II), mas também este senhor diz coisas completamente erradas, nomeadamente que «as expressões «capaz de falar em público» e «grande cantor do fado de Coimbra» são predicativos do sujeito «João». Ora, se o "se" é complemento direto, as expressões em questão são predicativos do complemento direto.
"Afundando-se" ainda mais, em A Construção impessoal reflexa (III), e num discurso ainda mais afetado e irónico («E ainda bem que discorda, Sr. Engenheiro! Nem precisa de pedir licença. Sempre que discordar, faça favor de o dizer, que da discussão pode nascer mais luz. Eu gosto de ser entendido! Na sua primeira frase, «Mandou-o atender ao pedido», reconhece o Sr. Engenheiro que o pronome, sob a forma de complemento, é sujeito do verbo atender. Ótimo! E reconhece, na segunda frase, que o se, em «deixou-se ficar ao relento», é também sujeito. Melhor ainda! [...] Terei sido claro? Suponho que sim. Mas… se o não fui, faça favor de dizer, que… eu gosto de ser entendido».), o senhor Virgílio responde com mais erros:
«2. Ao contrário do que o Sr. Eng. refere, não há nesta frase nenhum predicativo do sujeito, mas poderia haver, assim, por exemplo: «O juiz, sorrindo, declarou-os marido e mulher.» Neste caso, a frase prestaria (predicaria) duas informações a respeito do juiz: que ele os declarou marido e mulher (predicado), e que ele estava sorrindo (predicativo).
Predicativo do sujeito é uma informação opcional a respeito do sujeito ou um atributo referido ao sujeito.»
Ora, o predicativo do sujeito não é uma informação opcional, mas sim uma "exigência" pedida pelos verbos copulativos. E continua:
«Imaginemos, agora, que o juiz não fala de outrem, mas de si próprio. A frase seria:
«O juiz declarou-se inocente»
Esta frase (composta ou complexa) tem duas orações:
– «O juiz declarou-se inocente»: oração principal;
– «-se inocente» [que ele próprio é ou está inocente]: oração reduzida, subordinada, substantiva.
Habitualmente,este tipo de frases é mal analisado, e muitas gramáticas também têm aqui o seu descuido. Analisam:
Suj.: «O juiz»; pred.: «declarou-se inocente»; «se»: *complemento direto; «inocente»: * predicativo do complemento direto.
Mas… esta análise não é aceitável.»
Neste caso, as gramáticas é que estão certas...
Em suma, a resposta de Maria Regina Rocha, em O clítico se, as construções passivas e as impessoais e os predicativos é a única credível. Por essa razão, e para credibilidade do Ciberdúvidas, dou a minha modesta opinião: retirem essas respostas do senhor Virgílio do vosso espaço!
Cf. «Diz-se que o João é bom aluno?» + A Construção impessoal reflexa (II) + A Construção impessoal reflexa (III) + O clítico se, as construções passivas e as impessoais e os predicativos
*título da responsabilidade do Ciberdúvidas.
**professora de Português