« (...) A falta de apoio da cooperação portuguesa [para a promoção do português na Guiné-Bissau] mantém-se até aos dias de hoje. (...)»
Faço sinceros votos para que a nova presidente do Camões – Instituto da Cooperação e da Língua, a embaixadora Florbela Paraíba, faça jus ao nome que a instituição ostenta. Sendo Camões um dos maiores humanistas de que há memória, um homem de cultura, nome maior da literatura e da cultura portuguesas, merece que a instituição, que do seu nome faz bandeira, o honre e aja em conformidade. Não tem sido assim. Pelo menos, não em todas as geografias.
Fui leitora do Instituto Camões, na Guiné-Bissau, entre 1993 e 1998, ano em que ocorreu o golpe de Estado que depôs Nino Vieira. Nessa altura, fomos obrigados, eu e os meus colegas leitores, a deixar o país num navio de contentores, o Ponta de Sagres, deixando para trás uma vida de cinco anos, de bens materiais (de menor importância) e de afectos. Após uma viagem que não cabe aqui descrever, fomos recebidos pelo então presidente do instituto, de
forma fria, sem qualquer empatia pelo nosso sofrimento, quiçá com receio de que viéssemos a pedir alguma indemnização. Das nossas perdas não houve ressarcimento algum.
Nesse Verão de 1998, pouco tempo depois do regresso a Portugal, houve um Encontro com a Língua Portuguesa, no Convento da Arrábida, sob a égide do Instituto Camões, onde encontrei a Professora Maria Helena Mira Mateus, entre outras personalidades, por exemplo, dos PALOP [países africanos de língua oficial portuguesa], de igual meritória importância. Num dos painéis, com o Padre Luigi Scantamburlo, um linguista, estudioso da língua guineense, intervim expondo a minha experiência enquanto professora de Literatura Portuguesa, na Escola Superior de Tchico Té.
Na minha intervenção, fiz questão de referir a falta de apoio e de condições para a concretização do ensino da língua portuguesa na Guiné-Bissau (o que já havia feito por carta enviada ao Instituto Camões, durante o meu leitorado, e que ficou sem resposta), mencionando os exemplos da cooperação francesa, brasileira ou sueca. Quando terminei o meu discurso, o então representante do Instituto Camões, perante o auditório, referiu que preferia trabalhar com vacas, porque não falavam! Abstenho-me de adjectivar o comentário, a fim de não igualar o nível, todavia penso que a criatura estaria no lugar errado.
A falta de apoio da cooperação portuguesa mantém-se até aos dias de hoje, se não, vejamos o que declarou, recentemente, à Lusa, o cineasta guineense Sana Na N’hada:«Eu queria aprender o português», disse, acrescentando que Portugal deveria de enviar mais professores de Português para a Guiné-Bissau. Como se tem mantido a atitude do Instituto Camões, reveladora do desprezo e da falta de respeito por quem leva a língua e a cultura portuguesas a geografias menos visíveis.
É, por sinal, o meu caso. Durante os cinco anos em que fui leitora na Guiné-Bissau, tive conhecimento, aquando do meu pedido de aposentação (tenho 68 anos), de que o Instituto Camões só procedeu aos descontos, a que era obrigado, para a Caixa Geral de Aposentações, nos dois últimos anos (1996-98), resultando uma dívida de mais de 8000 euros que a referida Caixa me quer imputar. Através do apoio do meu sindicato, tenho enviado emails ao Camões, requerimentos ao gabinete do secretário de Estado das Comunidades Portuguesas, que, por sua vez, os encaminha para o gabinete do secretário
de Estado dos Negócios Estrangeiros. A resposta, até hoje, é o silêncio. Aguardo, agora, uma resposta da Provedoria da Justiça, para onde encaminhei o assunto.
A exoneração da ex-presidente do Camões, Ana Paula Fernandes, e de todo o seu conselho directivo, teve por base, segundo a explicação do ministro dos Negócios Estrangeiros, a «necessidade de imprimir nova orientação à gestão». Espera-se, assim, que essa «nova orientação» assente numa atitude de respeito pelos leitores que deram e continuam a dar toda a sua dedicação e competência (e pelos cidadãos em geral), de acordo com os pressupostos de uma sociedade cívica, culta e democrática.
Artigo de opinião da professora Arlinda Mártires incluído no jornal Público em 15 de agosto de 2024 e aqui transcrito com a devida vénia.