« (…) O OED [Oxford English Dictionary] também eliminou o acesso pago à definição de natureza, permitindo a qualquer pessoa que procure o significado ir além do uso típico e ver que existe, de facto, um significado mais amplo para a palavra. (…)»
Foi no ano passado [2023], durante um colóquio no Projeto Eden, o jardim botânico e centro de conservação existente na Cornualha, que Frieda Gormley ouviu pela primeira vez a definição de natureza no dicionário.
A empresária e ativista ambiental estava a responder a perguntas sobre os seus planos para nomear um representante defensor da natureza para o conselho de administração da sua empresa, House of Hackney, quando alguém da assistência leu essa definição em voz alta.
Natureza, diz o Oxford English Dictionary (OED), é «o fenómeno do mundo físico tomado coletivamente, especialmente, plantas, animais e outras características e produtos da própria terra, por oposição aos seres humanos e às suas criações».
«Toda a gente na sala ficou realmente chocada e muito triste com a situação», disse Gormley. «Pus-me a pensar: se as pessoas sentem que estamos separados da natureza, como podemos realmente considerar a natureza nas nossas ações? Esta definição e esta visão do mundo têm muito a ver com a crise em que nos encontramos.»
Atualmente, todos os dicionários ingleses definem natureza como uma entidade separada, em oposição aos seres humanos e às suas criações – uma perspetiva que, segundo os ativistas, perpetua a relação problemática da humanidade com o mundo natural.
Assim, quando chegou a casa, Gormley contactou Jessie Mond Webb, do coletivo Lawyers for Nature, com quem já trabalhava, e os dois decidiram iniciar uma campanha para persuadir os dicionários a dar uma nova definição, mais abrangente, à palavra natureza – e com ela, talvez, redefinir o que significa ser humano.
«Para nós, abriu-se um percurso em que, para além de procurarmos saber como realmente se lança esta campanha, se desenvolveu uma descoberta pessoal, sobre como ficámos tão separados e como podemos começar a regressar novamente ao nosso lugar no reino da natureza.»
«Queremos que os dicionários reflitam o facto científico, a par do consenso à volta dele, de os seres humanos fazerem parte da natureza, tal como os animais, as plantas e outros produtos da terra.»
«Se queremos que as pessoas protejam a natureza, então têm de sentir uma ligação à natureza.»
Tom Oliver, ecologista da Universidade de Reading, afirma que o entendimento da natureza como realidade distinta dos seres humanos tem origem em milhares de anos de pensamento ocidental. E, no entanto, diz ele, esta visão não faz sentido do ponto de vista científico.
«Penso que a definição em causa é ligeiramente descabida, dado que reflete uma espécie de insanidade na nossa sociedade moderna, ou talvez uma ilusão», afirmou.
Foi o filósofo francês René Descartes que deu o mote para a separação moderna entre os seres humanos e a natureza, ao «propor a ideia de que a mente é divina e semelhante a Deus, e os nossos corpos e os corpos das outras criaturas são apenas uma espécie de matéria sem vida», referiu Oliver. Simultaneamente, outros filósofos ocidentais defendiam a ideia de que o progresso humano significava afastar-se do «estado de natureza», uma vida que Thomas Hobbes ridicularizava como «solitária, pobre, desagradável, rude e curta».
«Todos estes factores culturais, os nossos cérebros absorvem-nos como uma esponja... e isso exacerbou uma sensação de isolamento, uma sensação de estarmos atomizados, de sermos indivíduos isolados, à deriva no mundo», considera Oliver.
Mas a ciência, a partir de Darwin, contradiz a ideia do excepcionalismo humano. Oliver salienta que os corpos humanos contêm tantas células bacterianas como células humanas – bactérias com as quais os humanos partilham cerca de um terço do seu ADN, «como um corte e cola». As células humanas são constantemente renovadas e recicladas, transformando-se algumas delas em dias ou semanas.
Processos semelhantes estão em ação nas mentes humanas. «Cada palavra, cada toque, cada cheiro influencia o nosso cérebro, e esses 150 mil milhões de neurónios na nossa cabeça estão constantemente a reconfigurar-se em resposta a conversas com outras pessoas, a aspectos do mundo natural de que temos experiência», disse Oliver. «Por isso, nesta visão da ciência, os nossos corpos físicos e as nossas mentes não estão separados da natureza ou das outras pessoas. Estamos profundamente interligados».
As análises de Oliver convenceram Gormley e Mond Wedd de que estavam no caminho certo. Mas depois depararam-se com um obstáculo.
«Pensámos em escrever uma carta de campanha ao dicionário para dizer: "É assim que deve ser feito, é assim que esta palavra deve ser usada"», recorda Mond Webb. Mas, acrescentou, «rapidamente percebemos que os dicionários não estão interessados nisso».
Os dicionários não determinam as definições das palavras, disse Fiona McPherson, lexicógrafa do OED, e por isso: «Por vezes, as palavras não significam exatamente o que as pessoas pensam que devem significar.»
«A razão pela qual uma palavra passa a ser definida como é deve-se à forma como as pessoas a utilizam. É sempre assim. Vemos como uma palavra está a ser usada e é assim que se chega à definição do dicionário.»
Parecia que o objetivo dos ativistas estava fora de alcance. Mas depois repararam que, enterrada por detrás do acesso pago do OED e considerada obsoleta desde 1873, havia uma outra definição de natureza: «Num sentido mais lato, todo o mundo natural, incluindo os seres humanos e o cosmos.»
As balizas tinham mudado. Agora, em vez de convencerem os lexicógrafos do OED de que deviam mudar unilateralmente o significado de natureza, tudo o que Gormley e Mond Wedd tinham de fazer era persuadi-los a trazer a definição mais universal de volta à vida.
«O que é interessante aqui é que, tanto quanto sei, o OED é o único dicionário que tem efetivamente uma definição que menciona os seres humanos», disse MacPherson. «Não é aquilo a que chamaríamos "o sentido corrente principal", que mostra o uso típico.»
«Mas quando nos contactaram, demos uma vista de olhos e tínhamos este segundo sentido, que incluía seres humanos... Fizemos uma investigação independente e acrescentámos algumas citações que o trouxeram para o século XXI e retirámos o rótulo obsoleto.»
O OED também eliminou o acesso pago à definição de natureza, permitindo a qualquer pessoa que procure o significado ir além do uso típico e ver que existe, de facto, um significado mais amplo para a palavra.
Para os ativistas, trata-se apenas de uma vitória parcial. Mas é um começo, e estão agora a apelar aos escritores, artistas e pensadores para que adotem a definição mais ampla de natureza, na esperança de que esta possa vir a predominar.
«Esta campanha plantou realmente muitas sementes», disse Gormley. «As minhas ideias também evoluíram ao informar-me sobre o assunto. Continuo a pensar que, se somos natureza – que obviamente somos –, então é nosso direito inato dedicar tempo à natureza, ter acesso à natureza. Devemos estar ligados.»
Artigo publicado no jornal The Guardian no dia 27 de julho de 2024. Tradução do inglês com adaptações.