Lembram-se da questão da TLEBS? Aparentemente, deixou de se falar nela, apesar de se reconhecer que houve inúmeras reacções, umas tempestivas, algumas intempestivas. A tendência do Ministério da Educação foi considerar que havia outros problemas mais importantes e que era melhor deixar o assunto para a comunidade científica. Esta comunidade entrou em polémica muito viva nos jornais e na televisão, contando-se aos pontos as vantagens de ambos os lados. Como se lembram, os defensores da TLEBS argumentavam que era preciso adequar o ensino à luz dos progressos da reflexão e investigação linguísticas mais actualizadas, e que isso se passava também com outros domínios da ciência ou das artes. No caso da crítica literária, por exemplo, podia-se falar em «intertextualidades» para designar o facto de um texto estar em relação muito complexa com textos anteriores. Se digo «é fogo que arde sem se ver», Camões espreita no princípio deste processo. Mas que alunos entendem a expressão «intertextualidades»? E, na opinião pública em geral, quem será capaz de dar um sentido útil à palavra? É mais fácil, por isso, considerarmos que dizer "relação entre vários textos, às vezes muito distantes entre si", poderá ser mais conveniente. Ninguém abandona de bom grado adjectivos e substantivos.
O mesmo se passou em relação à famosa e algo esquecida TLEBS. As terminologias propostas eram de tal modo arrevesadas e complicadas, e a lógica de todo o sistema revelava-se muitas vezes inconsistente, que era de prever que, em dada altura, os seus defensores sentissem o terreno a fugir-lhes debaixo dos pés. Alguns textos (como os de João Andrade) foram verdadeiramente demolidores e os professores nas escolas começaram a sentir um enorme desconforto (como se não bastasse o sentimento de que andavam perdidos em relação ao ministério).
Até que aconteceu o que era preciso que acontecesse. E o ministério cedeu neste terreno. Cedeu porque o movimento de contestação atingiu tais proporções que era difícil não reconhecer que algo não estava bem. E veio-se agora dizer que era preciso voltar atrás porque se havia concluído que diversos erros e contradições impediriam a sua utilização. Há uma enorme sabedoria nesta posição. Saber reconhecer a tempo os erros é uma enorme virtude democrática. E, assim, no ensino básico, a TLEBS foi suspensa, reservando-se para uma eventual comissão ad hoc a hipótese de se analisar, em termos da comunidade científica, o que está mal e o que poderá estar bem.
O que há de estranho nesta decisão é que ela diz apenas respeito ao chamado Ensino Básico. Porque no Secundário mantêm-se as dificuldades da TLEBS e ela deverá ser considerada no exame final. Não se percebe muito bem: então tem erros para o Básico e esses erros deixam de ser importantes no Secundário? Como é que isto faz sentido? Como é que poderá ser interpretado? E não vale a pena dizer-se que se tomará em consideração o que os alunos aprenderam nas escolas, uma vez que as provas são anónimas e não autorizam este protocolo auxiliar.
"Público"
texto saído no “Público” de 3 de Maio de 2007