Esta nossa língua portuguesa está a reclamar os seus panegiristas, galhardos paladinos que a defendam e enalteçam, de tal maneira deve andar envergonhada do desprezo com que tantos a maltratam, e bem saudosa do vivo amor que tantos lhe sagraram. O autor da «Côrte na Aldeia» já clamava com mágoa, quando tecia encómios à sua amada língua: «Para que diga tudo, só um mal tem, e é que, pelo pouco que lhe querem seus naturais, a trazem mais remendada que capa de pedintes.» Que faria se ele a visse agora!
É preciso que defendamos a sua pureza e a sua beleza! Não é isto certamente aplaudir «puristas», que a queiram converter em língua morta, nem certos humanistas que jamais compreenderam a vida das palavras, os seus estádios, a sua evolução latente - toda uma biologia, enfim, como a de outros seres organizados. O que é indispensável é proteger os seus foros e o seu carácter, neste idioma tão dócil que não há estado de alma que não revele, língua tão rica de perspectiva e de sonho, profunda e esbelta, apurada ou enérgica, ave a gorjear nas toadilhas pastorais, ou reboante e magnífica no clangor da epopeia. A língua brota dos sulcos fecundos da terra, para o artista e o poeta a modelarem, insuflando-lhe depois a emoção e a graça. Assim a voz da cotovia matinal que, alando-se da gleba, se dilui no vasto azul dos céus em melodia e sonho...
Bulhão Pato dizia-me que conversava muito com malteses para dar sal à língua. E não há, na verdade, melhor sal que o do povo. É ver, por exemplo, no teatro de Gil Vicente como ele lha tempera e lha faz saborosa!
In "Paladinos da Linguagem", 3.º vol., Aillaud e Bertrand, Lisboa, 1923.