Suspendi o juízo sobre se o Acordo Ortográfico serve bem ou mal a expansão do português e fui ver o que nas cartas ao editor, nos comentários a artigos online e nos blogues se diz sobre o tema.
Encontrei um dizer dominante: assinou-se o Acordo só pelo negócio, uma motivação aviltante e ignóbil, que atinge irreparavelmente valores e princípios.
Ora, não há outra maneira de defender e promover uma língua que não passe, exactamente, pelo negócio: uma língua com projecção internacional é uma língua de negócios (o caso do inglês, língua franca); é a língua de quem negoceia (o caso do espanhol em relação ao português, bastando olhar para os produtos que compramos, cuja descrição vem, em primeiro lugar, na língua dos nuestros hermanos); e é uma língua que dá lucros, pela criação, por exemplo, de grandes empresas de edição (como a Penguin ou a Macmillan), de ensino no estrangeiro (como a International House ou o Wall Street Institute), de produção de conteúdos na Internet, de tradução, etc, etc.
É que, verdadeiramente, já nem há lugar para perguntar qual é o mal de a língua ser um negócio — o Instituto Camões e o Ministério dos Negócios Estrangeiros trataram de perguntar, através de dois estudos que encomendaram recentemente, qual é o bem de negociar a língua portuguesa, assumindo, de boa consciência, que a língua é um património imaterial vendável que não se esgota, antes se fortalece ao ser transaccionado.
Esta é a realidade, que nem sequer é crua. Quem suspeitar da palavra negócio pode sempre recorrer à perífrase «criação de riqueza através da internacionalização da língua portuguesa». E para quem gosta de ir buscar à etimologia inspiração para reflexões várias: a palavra negócio tem o sentido original de «o contrário de nada fazer» ("neg", não + "otium", ócio).
Nada fazer com/pelo português é embandeirar o chavão de que o inglês — a língua do Grande Capital — é uma língua assassina.
Artigo publicado no semanário Sol de 7 de Junho de 2008, na coluna Ver como Se Diz