Qual vai ser o "efeito colateral" da aplicação do Acordo nas escolas? Mínimo. Mas isso não é, realmente, um sintoma positivo. É este o tema do artigo de Ana Martins no Sol.
Na sua última catilinária anti-Acordo, Vasco Graça Moura exigiu do Ministério da Educação (ME) o delineamento de metodologias de ensino da nova ortografia. Uns dias antes foi noticiado que o ME estaria a preparar a testagem da aplicação do Acordo Ortográfico em escolas-piloto.
Pedi a alguns professores de Língua Portuguesa que me descrevessem o perfil ortográfico actual da maioria dos nossos alunos. A resposta veio em forma de lista: "matousse", "defendião", "passace", "basiado", "aconce-lho", "adoenceu", "dezerto", "curajosa"… Dá para ter uma ideia.
A aplicação do Acordo Ortográfico nas escolas passa, em grande parte, por deixar escrever como os alunos já escrevem: tendencialmente, sem acento, sem hífen, sem maiúsculas, sem consoantes mudas, sem h. Tão-só.
Note-se bem: aquilo que parece preocupar Vasco Graça Moura, e o ME, é saber se, mediante a validação de duas e mais grafias para a mesma palavra, ditada pelo novo Acordo, os alunos portugueses devem passar a escrever crêem ou creem, quando, na verdade, o que eles escrevem é "creiem" e ainda ficam aborrecidos se algum professor tem a ideia peregrina de lhe descontar isso no teste. As Ciências da Educação teorizam sobre o método de ensino da mudança de agúes para agues, quando, na verdade, os miúdos da cidade jurarão a pés juntos que a palavra não existe, nem com acento, nem sem ele, e os das aldeias não desconfiarão que se está a falar do verbo "augar"…
Estamos a discutir o quê, afinal?
É certo que o Acordo preconiza a dupla grafia, uma aconselhada para o Brasil (incômodo, corrutível) e outra para Portugal (incómodo, corruptível), mas havia outra maneira de reunir assinaturas debaixo de um mesmo texto normativo? É certo que este Acordo pouco mais faz do que oficializar duas normas ortográficas, mas, à conta disso, um aluno brasileiro pode fazer exame de português em Portugal sem problemas, por exemplo. Também é certo que há regras no Acordo que se contradizem e outras ainda que deixam mais dúvidas do que certezas. Vai ser preciso, então, elaborar um Vocabulário da Língua Portuguesa, como, aliás, os brasileiros já estão a fazer.
O caos ortográfico já é aceite tacitamente nas escolas. Dizer que o Acordo só vem institucionalizar esse caos não só é injusto como não ajuda nada.
Artigo publicado no semanário Sol de 6 de Março de 2009, na coluna Ver como Se Diz.