«A visita a Moçambique foi um sucesso em termos de espetáculo televisivo e um fracasso diplomático rotundo», escreve a diretora executiva adjunta no editorial do jornal i do dia 10/05/2016.
[Ver também: Acordo Ortográfico sob polémica presidencial]
Marcelo é irresistível a dançar a marrabenta, a beijar pessoas, a tirar selfies com todos os habitantes do planeta em geral e com os de Moçambique em particular. Mas a viagem a Moçambique foi um marco da Presidência de Marcelo: mostrou a todo o mundo, particularmente ao mundo lusófono, que em funções de Estado Marcelo continua a ser Marcelo.
Estando o povo português apaixonado pelo seu Presidente da República (afinal, isso já não acontecia há muito tempo e o estado de paixão tem aquela deliciosa sedução irracional), é provável que não tenha dado por isso nem tenha atribuído especial relevância ao assunto.
Mas vista de Cabo Verde – um país com quem Marcelo até tem especiais afinidades –, a declaração de Marcelo de que Portugal estaria disponível para reabrir o Acordo Ortográfico caiu como uma bomba. Marcelo esqueceu-se de que estava a representar o Estado português e provavelmente falou como “o cidadão Marcelo”, que continua sem saber escrever com o acordo ortográfico, como fez questão de afirmar a partir de Moçambique. O problema é que quando o Presidente da República fala, é o Estado português que está a falar, coisa de que Marcelo não se deu conta – e que era, como toda a gente sabe, um dos maiores riscos apontados pelos opositores da sua candidatura à Presidência.
A visita a Moçambique foi um sucesso em termos de espetáculo televisivo e um fracasso diplomático rotundo. Um Presidente não se pode imiscuir num assunto monstruoso, do ponto de vista da política internacional, como o acordo ortográfico com a ligeireza com que Marcelo o fez – mais a mais, não tendo qualquer competência para a matéria, que pertence ao governo. O ministro dos Negócios Estrangeiros veio delicadamente desmentir o Presidente. Mas na CPLP e num outro governo dos PALOP, Cabo Verde, Marcelo foi ridicularizado. Um Presidente tem de ser um diplomata e não um beijoqueiro-dançarino. Uma coisa pode não excluir as outras, mas desta vez não foi o caso.
in jornal i de 10 de maio de 2016