O desenvolvimento de qualquer língua está diretamente relacionado com os regimes políticos que as suportam. Neste sentido, a professora universitária Margarita Correia (Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa), num artigo científico publicado na Revista de Llengua i Dret, em 2023, demonstra como a instauração de regimes democráticos em Portugal e no Brasil teve um forte contributo para o reconhecimento do português como uma língua de expressão mundial.
Quando a 25 de abril de 1974 se dá a Revolução dos Cravos, esta não só contribui para a instauração do regime democrático em Portugal, mas também para a independência de cinco países africanos que escolheram o português como língua oficial. A mudança do regime político e a ação dos governos democráticos subsequentes trouxeram alterações significativas à política, à educação e à sociedade portuguesa que acabaram por se repercutir numa expansão e reconhecimento da língua. A par disto, o fim da ditadura militar no Brasil, em 1985, pode ser entendido como outro fator que terá contribuído para um maior uso do português quer a nível nacional quer internacional. Por outro lado, Correia sublinha que “in the present century, the linguistic situation of several Portuguese-speaking countries has evolved1” (página 374).
Embora as políticas linguísticas nunca tenham sido um foco central na política dos países em que o português é língua oficial, a instauração dos regimes democráticos em Portugal e no Brasil pode, segundo Margarita Correia, explicar o extraordinário desenvolvimento da língua portuguesa nos últimos cinquenta anos, o que apoia a ideia de que a expansão de uma língua está intimamente relacionada com a política e com os regimes democráticos, em particular. Note-se que “Portuguese is the hegemonic mother tongue of most of the population of Brazil and Portugal2” (página 375). Para além disso, esta investigadora dá também conta que “in the recently independent Portuguese-speaking countries, it has gained the status of a second language. In Angola, Mozambique and Sao Tome and Principe, it has also been growing as a mother tongue3” (página 375).
Um dos fatores que podem ter contribuído também para o atual reconhecimento do português como língua de expressão mundial foi o significativo crescimento da literacia e melhoria de qualidade do ensino. Correia assinala que, historicamente, Portugal nunca se caracterizou pelos seus elevados níveis de educação, o que teve consequências sociais e políticas ao longo dos tempos. Só mais recentemente, com a entrada na Comunidade Económica Europeia, atual União Europeia, devido às exigências impostas à educação e à necessidade de alinhar Portugal com os outros países europeus, se verificou um notável crescimento de educação e literacia da população portuguesa. Também o Brasil, antes do regresso da democracia, apresentava défices educativos significativos, mantendo ainda atualmente muitas questões deste âmbito por resolver. Por outro lado, o previsível desenvolvimento global das antigas colónias portuguesas deverá ser acompanhado pela migração para os grandes centros urbanos, onde o português é a língua veicular, e pela escolarização em massa da população, muito provavelmente em português, tendo em conta o ensino monolingue hegemónico em vigor até à data na grande maioria dos países africanos de língua oficial portuguesa. Deste modo, Margarida Correia prevê que o número de falantes de português proficientes, alfabetizados e com níveis de escolaridade significativos cresça exponencialmente ao longo do século XXI.
Outro fator igualmente relevante foi o uso da língua portuguesa em instituições mundiais. Atualmente, o português é língua oficial de várias organizações internacionais, tais como a União Africana, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) e a Organização de Estados Ibero-Americanos, havendo ainda movimentos para torná-la a sétima língua oficial da Organização das Nações Unidas (ONU). Também o crescimento económico de países como Brasil ou Angola, que têm vindo a atrair o interesse de grandes investidores internacionais, bem como o relevo na política mundial de figuras como António Guterres, presidente da ONU, Lula da Silva, presidente do Brasil, ou António Costa, presidente do Conselho Europeu, fazem com que a língua portuguesa tenha espaço em vários cenários internacionais.
Concluindo, neste artigo, a professora Margarida Correia demonstra que os regimes democráticos tiveram um impacto bastante positivo no crescimento da importância do português a nível internacional. Contudo, tal como alerta esta especialista, será importante que os governos dos países de língua oficial portuguesa estabeleçam marcos essenciais, concretos e credíveis para medir os seus progressos em matéria de desenvolvimento linguístico.
1. “No presente século, a situação linguística de vários países de língua portuguesa evoluiu” (tradução livre).
2. “O português é a língua materna hegemónica da maioria da população do Brasil e de Portugal” (tradução livre).
3. “Nos países lusófonos recentemente independentes, [o português] ganhou o estatuto de segunda língua. Em Angola, Moçambique e São Tomé e Príncipe, também tem vindo a crescer como língua materna” (tradução livre).