Não há mês do ano em que se use mais o verbo dar do que em dezembro. Desde as listas (escritas ou trazidas constantemente na memória) relativas a «o que vou dar este ano?»), até aos diálogos em família ou nos círculos mais próximos de amigos (com as inevitáveis perguntas sobre «o que achas melhor dar a X ou Y?» ou «o que vamos dar a Z?), até aos relatos pós-natalícios sobre «o que demos» ou «o que nos deram». Dar é o verbo mais conjugado em dezembro.
Neste exercício, consomem-se dias e semanas de decisões: prenda simbólica ou valiosa monetariamente? Uma prenda útil ou extravagante? O que a pessoa pediu ou algo surpreendente? Há pessoas que civilizadamente fazem acordos pré-natalícios do género: este ano só damos prendas aos mais novos; cada casal só dá uma prenda a um casal; a prenda só pode custar entre X e Y euros; este ano não trocamos prendas.
Depois do dia de Natal, o verbo dar continua a dominar as conversas, mas desta vez no pretérito perfeito: o que me (não) deram, o que deram ou não a X e a Y, como reagiram ao que dei. E aqui aparecem as avaliações (muito, pouco, insuficiente, insignificante, surpreendente, ridículo, imenso, demasiado; deu tanto, deve estar a viver bem; deu pouco, é mesmo sovina), as justificações (dei isto porque...; fiquei aborrecido porque...) e as promessas (no próximo ano, dou x ou não dou y). São atos de fala silenciosos, dissimulados em esgares, sorrisos amarelos e silêncios.
E as relações familiares e de amizade continuam enredadas em ajustes de contas. A troca de prendas parece ter-se tornado um ajuste de contas emocional e sentimental embrulhado em papel brilhante com laço colorido. O que nos vale a todos é que, logo de seguida, vêm 365 dias novinhos em folha para nos refazermos das vivências intensas da quadra natalícia, pelo menos, para esquecer um pouco o verbo dar (neste sentido mais caricatural que aqui quis registar), qualquer que seja o tempo verbal.