«A maioria das pseudoetimologias possui algumas características em comum.»
Já li várias postagens do tipo «dicas para identificar fake news» e «como reconhecer pseudociências», mas eu nunca vi alguém dar dicas para distinguir pseudoetimologias – essas bobagens metidas a Etimologia que andam se espalhando que nem praga pelas redes sociais. Pois, enfim, chegou a hora!
É impressionante ver como as explicações etimológicas mentirosas são tão facilmente disseminadas. São histórias bastante sedutoras porque são curiosas, impressionantes ou engraçadinhas ou simplesmente se encaixam à ideologia dalguém. Por isso, são repassadas adiante sem muita reflexão.
Um tantão de páginas e perfis autointitulados de “ciência”, “curiosidades”, “conhecimento” e por aí vai não têm um pingo de vergonha em lançar invencionices etimológicas sem comprovação para atrair seguidores e angariar cliques.
Por causa desse crescente de conversas para boi dormir, é importante estarmos atentos para não cairmos numa delas e, pior, contribuir para disseminar balelas. A maioria das pseudoetimologias possui algumas características em comum. Quanto mais itens daqui se somarem, maior a chance de ser uma pseudagem:
• Não apresenta fonte ou registros (evidências): a explicação diz que tal palavra vem de séculos anteriores ao XX (como a época da escravidão, por exemplo), mas não se vê nenhum livro do mesmo período que conste o termo sendo empregado com o sentido atribuído.
• Não aparece em dicionários etimológicos: basta consultar qualquer dicionário para, por exemplo, constatarmos que aquela historieta de aluno significar «sem luz» é puro papo-furado.
• Explicação curtinha sem detalhes: geralmente, a explicação cabe na figura veiculada na rede social.
• Explicação fantástica: baseada num causo extravagante, num acontecimento incomum, por vezes, de fundo cômico.
• Falta coerência e/ou lógica: quem diz, por exemplo, que a expressão «feito nas coxas» tem origem em escravos que moldavam telham em suas próprias coxas nunca viu uma telha de cerâmica ser moldada nem considera o tamanho das telhas coloniais (muito maiores que coxas humanas).
• Trata hipótese etimológica por verdade absoluta: alguém imagina uma explicação ou pega uma mera suposição e já sai a espalhando como se fosse um fato.
• Tenta justificar censura de termos atuais: vários termos (e consequentemente quem os usa) são classificados como racistas, machistas ou preconceituosos. Há até censuras religiosas dadas por pseudoetimologias, como a da palavra moleque. Vale lembrar que nenhuma etimologia (origem da palavra) é motivo válido para tornar justificável o cancelamento duma palavra. As palavras evoluem, podem perder seus sentidos iniciais e se desvinculam de possíveis significados originais indesejados. Do contrário, já deveríamos abolir o termo brasileiro, cuja etimologia carrega um significado nada digno.
• Quer corrigir ditos e expressões populares: a explicação vem acompanhada de um «você sempre falou errado» ou «na verdade, o correto é assim...».
• Na maioria das vezes, as pseudoetimologias são veiculadas por:
– autores não especialistas da área;
– páginas caça-cliques;
– páginas de “curiosidades” diversas;- guias de turismo;
– cartilhas de censura;
– zapzap e similares.
É sempre bom procurar outras fontes ou consultar linguistas, estudiosos e livros da área da Etimologia. Na dúvida, não compartilhe.
Apontamento publicado no mural Língua e Tradição em 30/12/2024, no Facebook.