Um dia destes tive de ir a uma loja de uma operadora de telecomunicações. O balcão da assistência técnica era corrido e não individualizado. Clientes e funcionários dispunham-se lado a lado sem qualquer privacidade. O que fui fazer revelou-se demorado pelo que fui assistindo ao desfilar dos clientes que o funcionário ao lado foi atendendo. A dado passo chegam dois jovens, de uns 15 ou 16 anos. Um era o cliente, o outro acompanhava-o. Vinham, ao que me pareceu, levantar uma box. O empregado disse a um deles: «Quer verificar o equipamento?», ou algo assim, ao que ele retorquiu:
– Não, não. Vai na fé!
O empregado de uns 30 e muitos sorriu, eu com mais 20 sorri também. Na verdade, nunca me tinha deparado com tal expressão que me parece coloquial e porventura ter curso no socioleto das gerações mais novas. Pelo contexto, percebe-se que é equivalente a «Não vale a pena verificar. Confio – tenho fé – que esteja tudo bem».
«Vai na fé» parece ser uma expressão popular e que além do significado supra pode também servir como forma de encorajamento, de incentivo para alguém a seguir em frente, com confiança, determinação, e crença, ou seja, fé, nas suas capacidades, por exemplo em diálogos como estes:
– «Estou nervoso para o exame de amanhã.
– Fica tranquilo, tu estudaste. Vai na fé, pois vai correr bem»
Ou:
– «Estou a começar o projeto e estou um pouco receoso.
– Nada disso. Vai na fé, tu és competente. Vai ser um sucesso».
Não conseguimos averiguar se a expressão chegou a Portugal por influência do português do Brasil, mas houve pelo menos uma telenovela com esse nome e existem alguns registos da expressão nas redes sociais brasileiras com sentidos similares aos referidos acima, ou seja: «Confia/o, confia em mim, confia em ti, ou até mesmo Boa sorte.» O Dicionário inFormal também a regista, numa definição, aliás, recente, de maio de 2023, proposta por um utilizador.
P.S. – Agradecemos ao consultor do Ciberdúvidas Luciano Eduardo Oliveira e ao Prof. Sérgio Carvalho Pachá a informação que sobre este assunto nos prestaram. Ao Prof. Sérgio Pachá agradecemos ainda a partilha de outras reflexões e histórias que sempre vêm a talho de foice quando se fala de assuntos de língua.
N. E. (04/12/2023) – O autor acrescentou uma frase ao parágrafo final.