« (...) É uma moda linguística especialmente irónica porque o falante intima o interlocutor a imaginar enquanto evidencia uma falta de imaginação bastante aflitiva. (...)»
Acontece muitas vezes os dirigentes partidários pretenderem seduzir os eleitores falando aquilo que imaginam ser a linguagem do povo. É muito raro dar bom resultado, não só porque soa a falso mas também porque a linguagem popular que os políticos pretendem emular já passou de moda há muito. Estão sempre atrasados. Fazem um discurso com os termos da moda linguística da Primavera/Verão de 1998 no Outono/Inverno de 2023. Quem pretender hoje usar esse estratagema não pode, por exemplo, dizer que o seu partido é que tem uma ideia baril para o SNS, ao passo que as propostas dos seus adversários são fatelas. A não ser que pretenda arrebanhar votos para as legislativas de 1999. Em Setembro de 2023, um candidato empenhado em reproduzir a linguagem corrente tem, tipo, de se dirigir ao eleitor dizendo, tipo: «puto, imagina, a escola pública precisa, tipo, de um sistema, tipo, imagina, em que os professores, tipo, estão menos dedicados a burocracia para poderem, tipo, imagina, ter mais tempo para as actividades, tipo, essenciais.» Esta é a moda linguística que vigora neste momento, e resta-nos esperar que passe depressa. Consiste apenas na repetição do substantivo masculino “tipo” e na insistência no verbo “imaginar”, conjugado no imperativo. É especialmente irónica porque o falante intima o interlocutor a imaginar enquanto evidencia uma falta de imaginação bastante aflitiva. Tenho verificado, no entanto, que o convite para imaginar não é sincero. Mantenho muitas vezes diálogos deste género:
Alguém – Podíamos ir jantar, tipo, às oito, porque, imagina…
Eu – Dá-me só um minuto, então.
Alguém – Para quê?
Eu – Imaginar.
E fecho os olhos, para me concentrar. De acordo com a minha experiência, normalmente faz-se um silêncio e a conversa acaba mal. Não recomendo.
Outra estratégia frequente para tentar persuadir o eleitorado é engendrar um intrincado jogo de palavras. O autor fica muito satisfeito com a proeza oratória, mas os eleitores não valorizam o esforço. Foi uma habilidade desse tipo que tentou, esta semana, o presidente do PS, Carlos César. Disse ele: «Dá jeito ao PSD vender a ideia do país como um monte negro de problemas.» Talvez tenha entusiasmado os jovens da Academia Socialista, mas mais ninguém. A utilização do apelido do presidente do PSD não produz um efeito especialmente interessante, até porque a expressão «monte negro de problemas» ainda está à espera de ser cunhada. Ninguém desabafa: «O melhor é pagar o IRS a horas, caso contrário terei um monte negro de problemas.» Além disso, a iniciativa abre a porta para respostas com o apelido do presidente do PS, e creio que nenhum de nós deseja viver num país em que o debate político inclui considerações como: «A política deste governo é uma salada César em que quem está sempre ralado é o povo, e não o queijo, além de que as anchovas são da semana passada, o que diz bem do estado em que estão as nossas pescas.» Isso conduziria a um estado de degradação da vida pública que nem quero, tipo, imaginar.
Crónica do humorista Ricarco Araújo Pereira, transcrita, com a devida vénia, do semanário Expresso em 15 de setembro de 2023. Te~xto escito segundo a norma ortogáfca de 1945.