Como é que as línguas gestuais se espalharam na Europa? - Diversidades - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
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Como é que as línguas gestuais se espalharam na Europa?
Como é que as línguas gestuais se espalharam na Europa?
Língua gestual portuguesa tem origem sueca

«"(...) métodos computacionais desenvolvidos em biologia evolutiva e linguística histórica [podem] confirmar a conexão histórica entre as línguas gestuais portuguesa e sueca usando dados das próprias línguas e sem depender de outros registos históricos."»

 

Ao contrário do que muitas pessoas acreditam, a língua gestual não é universal, ou seja, igual em toda a parte. A que é usada em Portugal, por exemplo, sabe-se que foi “importada” há muitos anos da Suécia. Um estudo publicado na  revista Royal Society Open Science apresenta novos dados sobre as origens e evolução das várias versões de língua gestual na Europa. Os investigadores identificaram cinco linhagens principais concluindo que, mesmo com ocasionais contactos, são marcadamente independentes umas das outras.

A evolução das línguas faladas é um assunto muito explorado pelos investigadores mas, infelizmente, o mesmo não se pode dizer sobre as línguas gestuais. «Até o momento, nenhum dos estudos publicados tentou usar dados de linguagem para inferir relações entre línguas gestuais em larga escala», constatam os investigadores que assinam o artigo sobre as dinâmicas evolutivas na dispersão das línguas gestuais.

O estudo resulta de uma análise filogenética de 40 alfabetos manuais de língua gestual contemporâneos e 36 históricos, codificados por similaridade morfológica. «Muito do que sabemos sobre a história das línguas gestuais contemporâneas veio de relatos históricos de contacto entre instituições educacionais e educadores surdos. Queríamos saber se uma comparação de línguas usando fontes contemporâneas e históricas poderia lançar luz sobre como as línguas gestuais europeias se desenvolveram e se espalharam pelo mundo», refere Justin Power, investigador da Universidade do Texas, em Austin (EUA), e primeiro autor do estudo.

Sobre os resultados deste trabalho, o linguista avança ao Público que «a principal conclusão do estudo é o desenvolvimento independente de cinco linhagens europeias de língua gestual: de origem austríaca, britânica, francesa, espanhola e sueca». Para sermos mais correctos, a verdade é que o artigo assinado por Justin Power, Guido Grimm (investigador independente em França) e Johann-Mattis List (do Instituto para a Ciência e História Humana Max Planck, na Alemanha) menciona seis linhagens principais, incluindo na lista um grupo mais pequeno com origem na Rússia.

“Já sabemos há algum tempo que havia conexões entre instituições e professores de surdos europeus e americanos, e houve estudos em pequena escala sobre as relações linguísticas que são difíceis de caracterizar de forma satisfatória”, refere Justin Power, acrescentando que o desenvolvimento inicial das linhagens europeias de língua gestual foi independente.

A nossa herança sueca

Apesar da clarificação de algumas questões sobre as rotas das várias linhagens da língua gestual, o estudo não traz conclusões inesperadas sobre a evolução da língua gestual portuguesa (LGP). Há, nota o especialista, vários documentos históricos que descrevem o trabalho de Per Aaron Borg, um educador de surdos sueco que em 1809 criou uma escola em Estocolmo e alguns anos depois, em 1823, uma outra em Lisboa. A história desta viagem do alfabeto manual e configuração das mãos da Suécia para Portugal está documentada.

No entanto, Justin Power destaca algumas curiosidades. «Fomos capazes de usar métodos computacionais desenvolvidos em biologia evolutiva e linguística histórica para confirmar a conexão histórica entre as línguas gestuais portuguesa e sueca usando dados das próprias línguas e sem depender de outros registos históricos», diz. A análise também permitiu identificar várias diferenças em termos de configurações de mãos entre o alfabeto manual contemporâneo português e sueco. Ou seja, formas diferentes de apresentar a mesma letra. «As configurações de mãos de língua gestual portuguesa e sueca, apesar de terem origens semelhantes, evoluíram ao longo do tempo de maneiras diferentes e agora diferem morfologicamente.»

Uma conclusão que, aliás, se estende a outras linhagens europeias. «Os alfabetos manuais têm sido usados em comunidades distintas de locais diferentes durante cerca de 200 anos, evoluindo à medida que passam de geração em geração.» Portanto, era expectável uma solução para formas morfológicas ligeiramente diferentes.

O artigo conclui ainda que, em relação a outras linhagens estudadas, os resultados «divergem das hipóteses actuais, indicando uma evolução independente de fontes austríacas, francesas e espanholas, um subgrupo dinamarquês interno dentro da linhagem austríaca e a evolução do russo a partir de fontes austríacas».

O que falta saber? Muita coisa. «Agora, com este estudo, temos um esboço bastante bom das histórias das línguas gestuais e estamos a começar a entender alguns dos processos evolutivos que as afectam», contextualiza o investigador. No entanto, é provável que os alfabetos manuais possam mostrar histórias evolutivas ligeiramente diferentes em comparação com outras partes da língua gestual, como o seu vocabulário básico. «Gostávamos de perceber se o estudo de diferentes aspectos de uma língua gestual nos pode fornecer informações adicionais ou diferentes sobre a sua história. Também precisamos [de] saber mais sobre como as configurações das mãos mudam ao longo do tempo.»

 

Cf. Dicionário da Academia Sueca

Fonte

Texto da jornalista Andrea Cunha Freitas saído no  jornal Público de 5 de fevereiro de 2020. O texto encontra-se grafado segundo a norma ortográfica de 1945. 

Sobre a autora

Jornalista portuguesa. Colabora com no jornal Público.