E há muito que pressões na União Europeia para uma “simplificação linguística” se traduzem em riscos de desvalorização, por arrasto, da nossa língua. Os factos são conhecidos, assim como é conhecida a disputa que se trava.
Foi nesse contexto que construí a convicção de que importa levar as instituições europeias a alterarem a óptica por que olham as diferentes línguas, centrando-as no ângulo que mude os “dados estatísticos” da questão. Com todas as consequências.
Resumo. Se as línguas forem vistas em termos apenas intra-europeus, as nossas dificuldades serão enormes: o nosso peso demográfico é reduzido, a força económica e cultural idem, o peso político limitado, a geografia pôs-nos na periferia. Mas tudo muda, se a UE for conduzida a olhar as suas línguas em termos globais, de abertura ao mundo e diálogo universal. O português é a terceira “língua europeia de comunicação universal”, o que puxa outra “estatística”, na demografia, no relevo cultural, no interesse económico, na potência política. E também no potencial. Além de nos retirar da periferia e nos colocar, com a Europa, no centro do mundo. Noutra perspectiva: a Europa fica, também pela nossa língua, mais no coração da globalização.
O alicerce de uma orientação política assim é imbatível na ocasião de definir a estratégia para o multilinguismo. Ou não nos unimos todos na Europa para sermos mais fortes no contexto global? E não para nos fecharmos aqui. E, assim sendo, como não reconhecer mais valor às línguas que o resto do mundo partilha connosco, em vez de línguas apenas “interiores”?
Foi com este pensamento que lancei para a arena o conceito “línguas europeias de comunicação universal”. E tenho-me batido por ele.
O primeiro êxito foi um parágrafo de uma resolução do Parlamento Europeu (sobre Macau) que, em Abril de 2003, reconheceu expressamente que “a língua portuguesa é, em número de falantes, a terceira língua europeia de comunicação universal”. O estatuto universal do português (a seguir ao inglês e ao espanhol; e à frente do francês) ficou escrito em letra de forma.
Houve outro brinde, na ocasião. A tradução adoptou, em inglês, uma expressão particularmente feliz para designar o conceito, ajudando ao marketing, à compreensão e à popularização:“european world languages.”
Esse foi um primeiro pequeno estribo, para outros importantes passos. A grande oportunidade surgiu agora.
A Comissão Europeia tem pela primeira vez um comissário com o pelouro expresso do “multilinguismo” – hoje o eslovaco Ján Figel´, em breve o romeno Leonard Orban – e apresentou uma comunicação em Novembro de 2005, de intencionalidade política bem clara: “Um novo quadro estratégico para o multilinguismo.” Ou seja, a UE está a definir uma política europeia para o multilinguismo.
Para nós, portugueses, e para a nossa língua, o desafio é claro: ou figuramos nessa estratégia e tudo bem; ou não figuramos nela e tudo mal... por muitos anos, certamente.
Momentos de risco são também momentos de oportunidade. O Parlamento Europeu aceitou as propostas que apresentei, com os apoios que reuni. Na resolução votada anteontem, fixando posição sobre o documento estratégico da Comissão, consagrou três parágrafos cruciais: primeiro, recorda que “algumas línguas europeias são também faladas em muitos outros países terceiros e constituem um importante elo entre os povos e nações de diferentes regiões do mundo”; segundo, acentua que essas línguas “se prestam particularmente ao estabelecimento de uma comunicação directa com outras regiões do mundo”; e terceiro, afirma reconhecer “a importância estratégica das línguas europeias de comunicação universal como veículo de comunicação e como forma de solidariedade, cooperação e investimento económico e, por conseguinte, como uma das principais directrizes da política europeia em matéria de multilinguismo”.Dificilmente podia ter sido melhor.
Estes parágrafos, por si e conjugados com o outro sinal pioneiro de 2003 – o reconhecimento do português como terceira língua europeia de comunicação universal –, abrem portas, excelentes oportunidades, que a diplomacia e a política europeia do país têm que aprofundar em toda a extensão.
A língua não é apenas veículo cultural precioso, elo social inestimável. É também um instrumento político. E um valioso recurso económico. Quem não o entende entende pouco.
Há muito que critico a falta de uma vigorosa política da língua portuguesa. É mesmo muito medíocre essa fragilidade e indiferença. Quando citamos Pessoa a dizer que “a minha Pátria é a Língua Portuguesa”, devemos intuir a dimensão de desastre em que nos apagamos, ao ignorá-la.
Agora, nova oportunidade está aí: para convocar novos recursos, para articular, afirmar uma política, executar uma estratégia. O português, não somente nosso, nem apenas da lusofonia, mas língua da Europa.
in "Público” de 17 de Novembro de 2006