Obnóxio, adjetivo de sua natureza, passeava-se pela Alameda das Palavras em busca de um substantivo solitário a quem pudesse emprestar alguma cor, num dia em que se sentia “funesto” e “nefasto”. Na verdade, substantivos não faltavam por ali. O problema na relação dos adjetivos com os substantivos é que, para que a harmonia exista verdadeiramente, ambos têm de querer aceitar o sentido e a intenção do outro, «cantar a mesma canção».
O Amor bem lhe acenou de longe, seduzindo-o com o olhar e prometendo-lhe a construção de uma narrativa de sabor grego com um final sangrento. Mas, não, hoje não lhe apetecia treinar oxímoros. Teria de ficar para outra oportunidade. Também vislumbrou a Ética, que o tentou com um tratado filosófico falacioso que esconderia sob as intenções mais puras e honestas um mundo escabroso de falsidade e de propósitos hipócritas e egoístas. “Demasiado real”, pensou Obnóxio, enquanto desviava o olhar. A Ética, que via mal ao longe, acabou por se confundir e acenou ao Abnóxio, que alma pura como era, logo correu a juntar-se a ela. «Ainda bem», rematou Obnóxio, «Hoje, a ética não negará o seu sentido.»
E a busca continuou. Chegou a uma praça onde havia palavras para todos os gostos, ou melhor, para todos os adjetivos. Abriam portas para realidades verosímeis e inverosímeis, numa infinidade de possibilidades: dia, vento, mesa, flor, peito, projeto, sonho, riso… Até que a viu! Era a Palavra. E pensou: «Há palavras que mudaram o mundo: Ninguém! Não! Guerra! Mata!» Também havia as palavras “boazinhas”, é certo (Amor, Desculpa! Parabéns! Orgulho!), mas essas não lhe diziam nada. Não eram para a sua natureza. Foi por isso que correu até à Palavra e lhe segredou ao ouvido: «Quem queres destruir hoje?» Obnóxia, a Palavra disfarçou um trejeito cínico.