Qual a origem do uso de bera, na aceção de «coisa de má qualidade» e, em sentido figurado, «zangado, furioso» («ficar bera»)?
[...] O vespertino [português] A Capital dedicava a 14 de Julho de 1916, página e meia não assinada a "O Chiado e ruas circunvizinhas – Sua história e tradição comercial – Estabelecimentos que já desapareceram, principais estabelecimentos de hoje". Isto depois de, a 29 de Junho ter publicado, também anonimamente, "A Rua do Ouro – Os seus principais estabelecimentos – Um pouco de história e de tradição".
Ambos os artigos seriam o que hoje poderíamos classificar de publi-reportagem, pois pensamos que «quem não pagou, não apareceu». Mas, mesmo assim, valem como documento para quem, como nós, se interessa pela evolução do retalho nacional, especialmente nos ramos da relojoaria, ourivesaria ou joalharia. [...]
«O Chiado é a rua elegante por excelência. A rua do Ouro pode disputar-lhe a primazia na opulência comercial, na vida intensa dos negócios, na magnificência dos seus estabelecimentos, na riqueza das suas joalharias. Mas o centro da moda permanecerá sempre nessa formosíssima artéria em forma de rampa, que vem de lá de baixo, do antigo Palácio Ouguella, até ao largo do Camões. Todos os grandes janotas alfacinhas passaram dois terços da sua vida no Chiado. Todos os estroinas da boémia doirada por ali andaram a cavar a sua ruina. O Chiado foi sempre para o High-Life de Lisboa o que Picadilly Street é para a alta roda londrina. Quem quer ditar a moda tem de empoleirar-se no Chiado, em sítio bem elegante e bem visível – a Marques, por exemplo.»
Começa assim o artigo, notando que, oficialmente, o Chiado chama-se Rua Garrett. «Mas não vingou o crisma.»
«No Chiado existiram sempre alguns dos mais célebres estabelecimentos comerciais de Lisboa», faz notar A Capital. «Foi no Chiado que, na sua maior parte, se estabeleceram os comerciantes franceses que, aí por meados do século passado, vieram lançar em Lisboa os novos processos de comerciar e que, servindo de tronco a várias gerações, formaram como que dinastias que ainda hoje existem e que são comerciantes, na sua quase totalidade, como aqueles que as fundaram.»
Quanto ao sector de ourivesaria, joalharia e relojoaria, o artigo refere:
«Foram ali dar os célebres brilhantes Bera, que deslumbraram o alfacinha, arrancando-lhe o dinheiro à farta e seduzindo-o com o brilho fulgurante das suas falsas pedrarias e das suas jóias de latão. Os brilhantes Bera foram, inegavelmente, uma das mais estranhas loucuras da Lisboa no nosso tempo.»
A história dos brilhantes Bera parece ser a seguinte: nos números 2 a 6 da Rua Garrett apareceu por volta de 1900 um estabelecimento de artigos de origem americana. Pertencia à Bera Scientific Diamond Palace e, no espaço sumptuosamente montado, exibiam-se jóias falsas, mas de acabamento elaborado. «Mais reais que as jóias reais», era o seu lema. O êxito foi tremendo, mas o termo "bera" ficou. Para qualificar negativamente algo ou alguém. [...]
in "O Chiado e o seu comércio, em 1916", transcrito no blogue Estação Chronographica, tendo-se mantido as ortografias do texto original.