«[O português] é a língua mais falada no Hemisfério Sul e conhecendo o potencial de crescimento económico [desta] região (...), África deverá superar o Brasil em termos de crescimento do português dentro de 50 anos», considera a presidente do Camões – Instituto da Cooperação e da Língua, Ana Paula Laborinho, em entrevista à jornalista do semanário Expresso, Christiana Martins.
Em 2050 cerca de 380 milhões de pessoas deverão falar português. O peso político da língua reflete essa dimensão?
O português já é uma língua de trabalho em muitas organizações internacionais, mas não basta estar lá, é fundamental que haja tradutores e intérpretes nas instituições. É preciso promover a formação desses tradutores, o que requer meios e tempo, um trabalho que tem vindo a ser feito, apoiado nas novas tecnologias. Temos também tentado diversificar, porque se há muito tradutores para línguas mais comuns, é preciso trabalhar com línguas menos divulgadas, sobretudo em África, como o suaíli. E damos ainda grande importância ao chinês. A China é dos países com maior interesse pelo português. Em 2002 havia três universidades chinesas com licenciaturas em língua portuguesa, hoje são 28.
O português tem futuro?
É a língua mais falada no Hemisfério Sul e conhecendo o potencial de crescimento económico [desta] região e pensando no Brasil, há grande esperança. Mas África deverá superar o Brasil em termos de crescimento do português dentro de 50 anos. Tendo em consideração as previsões demográficas será no continente africano que teremos mais falantes de português no futuro. Também não podemos esquecer a aposta do português como língua de ciência e construção do conhecimento, de inovação e de formação. Será assim que o português se irá consolidar como grande língua de comunicação internacional porque o peso internacional das línguas depende do peso dos países que as falam e as usam.
A língua define a identidade de uma nação?
Somos a língua que falamos, mas também as línguas que falamos. Os países africanos de língua oficial portuguesa falam várias línguas e as suas identidades são o cruzamento dessas línguas. Para definir a identidade é preciso ter em atenção essa pluralidade. Não há dúvida de que a língua é poder e quem pode falar uma língua que domine bem tem maior capacidade de exercer a cidadania. Como já se disse, na nossa língua dizemos o que queremos e nas línguas dos outros dizemos o que podemos.
Tendo em consideração a questão da identidade, é preciso um Acordo Ortográfico?
O Acordo Ortográfico é um instrumento até de internacionalização. É a tentativa de, enquanto língua internacional e num contexto de ensino, não termos de ensinar o português nas suas diversas variedades.
Foi lançado há uma semana um livro intitulado “Viva a língua brasileira” e está a ser preparada uma revisão curricular no Brasil que pode secundarizar a ligação com Portugal. Portugueses e brasileiros entendem-se ou desentendem-se em português?
Entendemo-nos bem. O reconhecimento da diversidade dos povos não é impeditivo de nos entendermos.
A Europa parece cada vez menos aberta à diferença. Qual é o papel do multilinguismo?
Não podemos ser redutores porque há partes da sociedade interessadas na diferença. O monolinguismo não é útil porque é na diversidade que o ser humano se constrói. A diversidade cultural europeia continua a ser muito valorizada e deve ser preservada.
Da língua portuguesa ainda se vê o mar? O que mais se vê?
O mar é muito importante porque une os países de língua portuguesa. Esta relação está inscrita na nossa cultura. Mas este mar é cada vez mais, não só poético, mas também económico, de inovação, de formação e geoestratégico. Continua a ligar-nos, mas não quer dizer que viramos as costas à Europa, é também do mar que a vemos.
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ORIENTE ESSENCIAL
Nasceu 17 anos antes da Revolução dos Cravos e um dia depois do 25 de Abril. Ana Paula Laborinho, 54 anos, prima do ex-ministro social-democrata Laborinho Lúcio, foi docente do secundário e a pedagogia ficou-lhe no discurso. Doutorada em Estudos Literários, requisitada pelo Governo de Macau, diz que no Oriente tornou-se mais portuguesa. Assistiu ao antes e ao depois da transferência do território para a China. E foi lá que, com orgulho, publicou 30 autores portugueses em carateres chineses. É desde 2012 presidente do Instituto Camões.