A adaptação, para o quimbundo e outras línguas nacionais de Angola, da palavra portuguesa «independência» – nesta crónica do autor que assinala os 39 anos do fim do regime colonial no país.
[in semanário "Nova Gazeta", de 20 de novembro de 2014]
(...) Angola tornou-se livre a 11 de Novembro de 1975. Foi António Agostinho Neto, o primeiro presidente de Angola, quem [na foto ao lado] proclamou, em Luanda, no Largo 1.º de Maio, também conhecido como Largo da Independência, a independência de quase 500 anos de colonização. É história.
Os portugueses chegaram a Angola pela foz do rio Zaire, mas os colonos, agora ex-colonos, não se fixaram apenas no norte. Espalharam-se. Chegaram às terras das Acácias Rubras, Serra da Leba, Deserto Namibe, Quedas de Kalandula, etc, etc. encontraram o nosso café do Uíge, os diamantes das Lundas, o peixe de Luanda, Benguela e de Moçâmedes. Saíram daqui com “barriga grande” (poema de António Jacinto, Monangambé). É história.
Encontraram várias línguas, de vários povos, que ansiavam por um dia poder dizer «estamos independentes» ou «hoje é dia da independência», como disse o jornalista da Rádio Nacional de Angola (RNA), no programa ‘Manhã Informativa’: «Assinala-se amanhã o dia da "dipanda"».
O meu receio é que muitos não se revejam na “dipanda”, do kimbundu [/quimbundo] de rainha Njinga Mbandi, que em português significa independência. “Dipanda”, na verdade, vem da palavra portuguesa independência, que foi emprestada ao kimbundu [quimbundo] e, mais tarde, adaptada.
Mas nem todos os povos precisaram de recorrer a empréstimos. Em cokwe, do imperador Muatiânvua das Lundas, por exemplo, independência é «wukule». Em umbundu [/umbundo], comemora-se o dia da «eyovo». Sem nos esquecermos, é claro, dos bakongu [bacongos], em cuja língua kikongo [/quicongo], celebram o dia da «kimpwanza».
Mesmo em kimbundu [/quimbundo], se não fosse pela influência da língua de Paulo Dias de Novais e de Diogo Cão, podia (e pode) usar-se, além de «dipanda», a palavra «ufolo». Mais a sul de Angola, os povos que falam a língua oshikwanyama [/cuanhama] comemoram o dia da «emanguluku». Já os que falam mbunda celebram a «kwovoka».
Para não polarizar a independência ao Norte, que tal dar a conhecer também que em ngangela se festeja o dia da «uwuvoke»; em olgunyaneka, o dia da «elihanjo», e em songo, o dia da «uyovo». O resto é história.
1 Tradução nas demais línguas nacionais de Angola com o apoio do director-geral do Instituto de Línguas Nacionais, José Pedro.
texto publicado no semanário luandense Nova Gazeta, no dia 21 de novembro de 2014, na coluna do autor, Professor Ferrão. Manteve-se a grafia anterior ao Acordo Ortográfico, seguida ainda em Angola.