Desprezamos muitas vezes, por puro snobismo linguístico, os nossos regionalismos. Alguns deles verdadeiras pérolas de economia e de expressividade. Tudo em prol de uma língua formatada, uniformizada. Igual no Minho e no Algarve.
Passando regularmente férias numa localidade do barlavento algarvio, surpreendi num café e num acesso à praia as duas expressões que dão título a este tópico, ambas ditas por naturais já no último terço da vida, para as quais não encontro melhores equivalentes no português formatado dos nossos dias.
Sobre a primeira, surpreendi este diálogo:
«— Então, o fulano tem a casa à venda?!
— Sim, tem!
— E vai vendê-la?!
— Se lhe derem dinheiro acrescentado!»
Sobre a segunda:
«— Ui, a praia hoje está colmeadinha!»
Ora para a expressão «dinheiro acrescentado» não encontro, pura e simplesmente, uma equivalente mais sintética e precisa para o que se quer dizer. Para exprimir o mesmo conceito, teríamos de: ou usar meia dúzia de palavras, ou então usar expressões de menor riqueza expressiva. Qualquer coisa como: «Se lhe derem mais dinheiro do que a casa vale» ou «Se lhe pagarem bem». Uma e outra claramente piores. Ainda por cima, esta expressão até tem equivalentes no incensado economês, de que é exemplo o conceito de «valor acrescentado».
Quanto a colmeadinha, acho-a uma beleza. No português formatado, o melhor que se encontra é o «a praia está apinhada». Mas a expressão é mais pobre e é estática. Na verdade, as pessoas podem estar na praia como os pinhões estão na pinha, muito juntos, daí o apinhado. Mas ela não chega sequer aos calcanhares da vivacidade e do movimento transmitidos pelo colmeadinho, onde, reforçado pelo diminutivo, quase conseguimos visualizar o movimento das abelhas em volta da colmeia. Semelhante, mas mais comum, só indo novamente ao reino animal buscar o formigueiro: «Ui, a praia hoje parece um formigueiro!»
Procurando nos dicionários a confirmação do que a minha intuição linguística me ditou, constato que, realmente, o verbo colmear aparece, por exemplo no Houaiss, definido como «pôr em colmeia ou transformar em mel». Porém, Eduardo Brazão Gonçalves, no seu Dicionário do Falar Algarvio, fá-lo derivar de colmo, significando «encher, atafulhar, cobrir completamente», no que poderá bem ser uma reinterpretação da palavra original, cuja etimologia remonta ao séc. XVI.
Sem desprezar o contributo de Eduardo Brazão, mas, neste caso, filiando a expressão no sentido de Houaiss, mais antigo e etimologicamente mais consistente, naquele momento, olhando ao longe para os movimentos difusos dos vultos na praia envoltos em nuvens de calor e pensando nos seus equivalentes das abelhas ao redor da colmeia, senti que linguisticamente ganhei o dia...
21/02/2013