Relatório de audiência respeitante à Audição Parlamentar N.º 9-GT-AAAO-XII do Grupo de Trabalho para Acompanhamento da Aplicação do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, na qual José António Pinto Ribeiro, que, entre 2007 e 2009, foi ministro da Cultura de Portugal, apresentou a sua posição relativamente ao Acordo Ortográfico (gravação áudio também disponível aqui).
O coordenador do Grupo de Trabalho apresentou as boas-vindas ao convidado e solicitou-lhe que expusesse a sua posição sobre o Acordo Ortográfico (AO) e a sua aplicação.
O Dr. Pinto Ribeiro fez uma breve resenha histórica do processo de ratificação do Acordo Ortográfico, desde 1991, lembrando que resultou de negociação levada a cabo por pessoas nomeadas pelo Estado português e que foi sempre aprovado, com largas maiorias, na Assembleia da República. Reafirmou que o Acordo Ortográfico foi ratificado e sufragado sistematicamente pelos órgãos legítimos para o fazerem – Governo, Assembleia da República e Presidente da República – pelo que considera que a questão da eventual saída do Acordo não é suscetível de ser colocada, pese embora isso não signifique que o Acordo seja perfeito ou que não possa ser objeto de modificações.
Reconheceu a existência de alguma recalcitrância em relação ao Acordo, por parte de setores da sociedade portuguesa, e fez referência à iniciativa legislativa, que terá sido subscrita por cerca de 1% da população.
Pronunciou-se, de seguida, em relação aos fundamentos que estiveram na origem do Acordo e que decorreram da necessidade de fixar a ortografia da língua portuguesa e de aproximar a ortografia às pessoas que falam e trabalham com a língua.
A este propósito, fez referência ao número de falantes de língua portuguesa no Brasil, que era, em 1960, de cerca de 90 milhões, e em 2010, cerca de 200 milhões. Em 50 anos, o Brasil criou cerca de 175 milhões de falantes de língua portuguesa, sendo que Portugal fez 140 milhões, entre 1143 e 2010. Fez ainda alusão à pacificação interna que se regista em Angola e Moçambique e que conduzirá ao reconhecimento da necessidade de adotar uma língua comum.
Justificou, de seguida, a inexistência de Acordo Ortográfico entre a Inglaterra e os Estados Unidos da América, que se deveu, essencialmente, a três razões: existência de bíblia, sistema de common law e existência de dicionário.
Considerou que não existe uma política de língua em Portugal, encontrando-se a mesma dispersa entre o Ministério da Educação e Ciência e o Ministério dos Negócios Estrangeiros, pelo que defendeu a necessidade de uma definição política da língua, enquanto instrumento essencial de política portuguesa, tendo a Assembleia da República um papel preponderante nesta questão.
A Sra. Deputada Gabriela Canavilhas (PS) agradeceu a intervenção e colocou algumas questões, nomeadamente sobre se o Acordo está ou não juridicamente em vigor, no seu período transitório, uma vez que um largo setor do meio intelectual português considera que não o está. Perguntou ainda se, por ocasião do depósito dos documentos de ratificação, em 2009, estava a preparar-se um movimento da sociedade civil contra este depósito e se o mesmo foi ignorado.
A Sra. Deputada Rosa Arezes (PSD) solicitou a opinião do Dr. Pinto Ribeiro sobre a forma como está a decorrer a aplicação do Acordo Ortográfico e perguntou se o mesmo deverá ser corrigido, repensado ou suspenso.
O Sr. Deputado Miguel Tiago (PCP) agradeceu a resenha histórica efetuada e referiu-se à necessidade de consagrar uma “autoridade” da língua, fazendo referência à recente intervenção da Academia das Ciências de Lisboa, numa audição no Grupo de Trabalho, que deixou claro que não se pronuncia sobre o Acordo desde 1990.
Visto que o Acordo não incide sobre a forma da grafia, mas sobre as regras, considerou que existe um conjunto de questões que não fica esclarecido com o Acordo, nomeadamente quanto à norma a adotar em função da pronúncia de quem escreve, apontando o exemplo de receção e recepção.
Em resposta às questões colocadas, o Dr. Pinto Ribeiro afirmou que não lhe compete esclarecer sobre se o Acordo está ou não juridicamente em vigor, tendo explicado os fundamentos que concorrem para estas dúvidas e que, sumariamente, se prendem com o facto de se discutir se o 2.º Protocolo Modificativo tem ou não de ser ratificado por todos para entrar em vigor. Recorde-se que este Protocolo previa que, quando estivesse ratificado em 3 Estados-membros, o Acordo Ortográfico entraria em vigor nos territórios desses Estados, o que altera o Acordo de 1998, que previa a entrada em vigor após o acordo de todos os Estados-membros.
Considerou, no entanto, que não tem dúvidas de que o Acordo está em vigor em Portugal, como o está nos países que já depositaram o instrumento de ratificação.
Defendeu a criação de uma academia dedicada à língua portuguesa e apontou o exemplo da Real Academia da Língua Espanhola, que tem como função preservar a unidade da língua, com o objetivo de a “fixar, limpar e dar brilho”, contando hoje com 22 academias, em vários países.
Por último, reafirmou não existir qualquer problema com o Acordo Ortográfico, sendo que não vê qualquer motivo para o revogar, uma vez que foi votado por três vezes, sem que nenhuma força política votasse contra.
Reiterou a necessidade de se criar uma comunidade académica de língua em todos os países, visto que a língua é indispensável para se criar unidade, estando a nossa grandeza e poder no facto de termos 8 governos que falam português.
A documentação da audição, incluindo a gravação, encontra-se disponível na página do Grupo de Trabalho, na Internet.
Palácio de São Bento, 23 de maio de 2013